segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Oração mental ou oração vocal?


Padre Francisco Faus*

Será que uma é melhor que a outra? Como viver cada tipo de oração em profundidade?
Quando você pensa em Deus e lhe diz coisas íntimas, só com o pensamento e os sentimentos do coração, está fazendo “oração mental”.
Quando você, na Missa, reza com todos os participantes as orações litúrgicas (“Confesso a Deus todo-poderoso…”, “Glória a Deus nas alturas…”, “Cordeiro de Deus…”); quando reza o Terço; quando reza o Pai-nosso e a Ave Maria em vários momentos do dia, está fazendo “oração vocal”.
Jesus amava e praticava esses dois tipos de oração, e nos ensinou a amá-los e a praticá-los.

Basta lembrar o seguinte:


1) — como já comentamos atrás, Jesus, com muita frequência passava horas – às vezes a noite inteira – conversando a sós com Deus Pai (Lc 6,12), fazendo “oração mental”;
– e fazia também “oração vocal”: rezava os salmos e as orações tradicionais judaicas, ao participar no culto da sinagoga (Mc 6,2) ou nas festas no Templo (Jo 7,1 ss.); e seguia todo o cerimonial litúrgico e as preces e cânticos prescritos, na celebração da Páscoa judaica (Mt 26, 30).

2) — a nós, pede-nos que, como Ele, façamos “oração mental”: «Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo» (Mt 6,6);
– mas, ao mesmo tempo, pede-nos que estimemos muito a “oração vocal”. Ele próprio nos ensinou a mais bela “oração vocal” que existe, o Pai-nosso (Mt 6,9-13), que milhões de cristãos vêm repetindo ao longo dos milênios. E os primeiros cristãos aprenderam dele a amar a recitação dos Salmos (At 2,46 e 4,25-26).

Oração espontânea ou “fórmulas”?

Nunca ouviu alguém dizer: “Eu não gosto de recitar fórmulas, eu gosto é de rezar com os pensamentos e sentimentos que saem espontaneamente do coração”?.
Há muitos que já disseram isso. Mas, infelizmente, se esquecem de uma coisa. Do nosso coração sai o que há realmente dentro dele (não o que não há), e nele não estão presentes todas as riquezas da fé, da esperança e do amor. Pode até ser um coração muito “pobre”, vazio e cheio de egoísmo gelado. E então, o que é que vai “sair” daí?

Ora, as orações vocais enriquecem, porque “oferecem”, “colocam” dentro do coração tesouros de pensamentos, de verdades, de sentimentos e desejos, que o coração sozinho não possui nem poderia criar. Bem rezadas, enriquecem muito a alma.

Santo Agostinho, por exemplo, recebeu o último “empurrão” para a sua conversão no dia em que se emocionou até derramar lágrimas, ao participar na basílica de Milão – onde era bispo Santo Ambrósio -, do canto dos Salmos e de hinos litúrgicos compostos por esse santo bispo, que o povo todo sabia de cor. As “orações vocais” tornaram sua alma – alma de um homem extraordinariamente culto e inteligente – mais cheia de luzes espirituais, despertaram nela, com o auxílio de Deus, sentimentos, perspectivas, alegrias e esperanças que ele, sozinho, não teria sido capaz de conseguir.

Santa Teresa de Ávila conta de uma freira muito santa, que a vida inteira alimentou a sua conversa de amor com Deus quase que exclusivamente com o Pai-nosso; e ela própria, Santa Teresa, escreveu um belo livro ( “Caminho de perfeição”) em que dedica muitas páginas a comentar as maravilhas dessa oração vocal “que o Senhor nos ensinou”.

Dois perigos

Como rezar bem as orações vocais? É bom ter em conta que há dois perigos que sempre nos ameaçam e que podem “acabar” com as nossas orações vocais:
1º) O primeiro é o “perfeccionismo”, ou seja, a ideia de que, se não rezamos colocando muita consciência, atenção e sentimento em cada palavra, mais vale não rezar, seria como fazer “oração de papagaio”.

Os que pensam assim também se esquecem de uma coisa importante: Jesus afirmou que, se não nos fizermos simples como crianças, não entraremos no Reino de Deus (ver Mt 18,3). Ora, ninguém pede a uma criança uma atenção total nem uma perfeição de “doutor em conversa”. O que se lhe pede é carinho, amor, e esse existe mesmo que a criança se distraia – não o faz por mal -, e se esqueça de coisas que acaba de ouvir.

Como é bonito o que dizia São Josemaria Escrivá: «Sei que te distrais na oração. – Procura evitar as distrações, mas não te preocupes se, apesar de tudo, continuas distraído. – Não vês como, na vida natural, até as crianças mais sossegadas se entretêm e divertem com o que as rodeia, sem atender muitas vezes às palavras de seu pai? – Isso não implica falta de amor nem de respeito; é a miséria e a pequenez própria do filho. – Pois olha: tu és uma criança diante de Deus» (“Caminho”, n. 890).

2º) O segundo perigo é o contrário: é a frieza, é o “calo” da alma, o mau costume de rezar por mera rotina. É isso o que fazem os que rezam mecanicamente, por puro hábito frio, sem empenho, sem consciência do que dizem, sem amor a Deus nem desejo de melhorar. Esses, como dizia Santa Teresa de Ávila, não fazem oração, por muito que mexam os lábios. «Esse falar às pressas, sem lugar para a reflexão – como diz São Josemaria – é ruído, chacoalhar de latas» (“Caminho”, n. 85).

O valor da boa vontade

O bom caminho da oração vocal evita tanto o perfeccionismo como a rotina mecânica. Então, o que é que Deus nos pede? Pede-nos as coisas de sempre:

1) Primeiro, amor: que saibamos esquecer-nos do nosso egoísmo (“gosto, não gosto de rezar agora; tenho vontade, não tenho vontade; isso de rezar quando estou cansado é um fardo, não é comigo…”). Santa Teresinha, mesmo em períodos de grave cansaço e dores de cabeça, não se dispensava do esforço por colocar amor na oração vocal: «Algumas vezes – dizia – , quando o meu espírito se encontra numa secura tão grande que me é impossível formar um só pensamento para unir-me a Deus, rezo muito devagar o Pai-nosso e depois a Ave-Maria. Assim rezadas, estas orações encantam-me e alimentam a minha alma…»;

2) Segundo, boa vontade (rezar do melhor modo possível, naquele momento previsto, ainda que esse “melhor modo” seja bastante imperfeito). Pense que Deus não precisa das nossas obras “perfeitas” – pois Ele pode dar-se a Si mesmo infinitas obras perfeitas-, mas do nosso amor, desse amor (o “teu” e o “meu”), que só nós lhe podemos dar.
Façamos, portanto, o propósito de valorizar, de praticar e de “cuidar” mais as orações vocais: as orações litúrgicas (Missa; para alguns, a Liturgia das Horas), as orações da manhã e da noite; as orações às refeições; o Terço; o Anjo do Senhor; e outras devoções sérias aprovadas pela Igreja (à Santíssima Trindade, ao Coração de Jesus, ao Espírito Santo…; e à Virgem e aos santos, que são intercessores nossos diante do Senhor). Com a ajuda de Deus, em outras meditações subsequentes refletiremos sobre o Rosário e algumas outras devoções.
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* Pe. Francisco Faus, nascido em Barcelona em 1931, é sacerdote da prelazia do Opus Dei.
É licenciado em Direito pela Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canônico pela Universidade de São Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside, desde 1961, em São Paulo, onde exerce uma intensa atividade de formação cristã e atenção espiritual entre estudantes universitários e profissionais.
Também se dedica ao atendimento espiritual de sacerdotes e seminaristas.

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