Dom Fernando Arêas Rifan, bispo administrador apostólico da
Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney.
Levados pelo legítimo desejo de
conservar a riqueza litúrgica do rito tradicional e chocados, com razão, em sua
fé e piedade com os abusos, sacrilégios e profanações a que deu azo a reforma,
os católicos da linha tradicional, não querendo ver a “liturgia transformada em
show” nem querendo compartilhar com erros e profanações que viam, apegaram-se
legitimamente às formas tradicionais da liturgia.
Por
isso, merecem toda a nossa compreensão, nossos louvores e nosso apoio todos os
que lutam pela preservação da Liturgia na sua forma tradicional.
Por
isso também, tem todo o nosso aplauso o tão desejado Motu Próprio do Papa Bento
XVI concedendo liberdade universal para a Missa no rito romano tradicional, o
que será um benefício para toda a Igreja. O Cardeal George, Arcebispo de
Chicago, afirma que a Missa de São Pio V é “uma fonte preciosa de compreensão
litúrgica para todos os outros ritos... Esta liturgia pertence à Igreja inteira
como um veículo do espírito que deve se irradiar também na celebração da
terceira edição típica do missal romano atual...” (Cf. citação completa na nota
47, abaixo).
Por
todos esses motivos, também em nossa Administração Apostólica, por faculdade a
nós concedida pela Santa Sé, conservamos o rito da Missa na sua forma tradicional,
isto é, a antiga forma do Rito Romano, como o fazem igualmente muitas
congregações religiosas, grupos e milhares de fiéis em todo o mundo. Nós a
amamos, preferimos e conservamos por ser, para nós, melhor expressão litúrgica
dos dogmas eucarísticos e sólido alimento espiritual, pela sua riqueza, beleza,
elevação, nobreza e solenidade das cerimônias, pelo seu senso de sacralidade e
reverência, pelo seu sentido de mistério, por sua maior precisão e rigor nas
rubricas, apresentando assim mais segurança e proteção contra abusos, não dando
espaço a “ambiguidades, liberdades, criatividades, adaptações, reduções e
instrumentalizações”, como lamenta o Papa João Paulo II. E a Santa Sé reconhece
essa nossa adesão como perfeitamente legítima.
Assim,
por ser uma das riquezas litúrgicas católicas, exprimimos através da Missa na
sua forma tradicional o nosso amor pela Santa Igreja e nossa comunhão com ela.
Ademais,
não arrefeceu e continua o nosso combate contra as heresias litúrgicas como a
negação da presença real de Cristo na Eucaristia, a transformação da Missa numa
simples ceia, a negação ou o encobrimento do caráter sacrifical e propiciatório
da Santa Missa, a confusão entre o sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum
dos fiéis, a dessacralização da sagrada Liturgia, a falta de veneração, de
adoração e de modéstia nos trajes no culto divino, a mundanização da Igreja,
etc.
E
a esses erros nós resistimos sempre, venham de onde vierem. A doutrina da
resistência continua a mesma: "Se um anjo do Céu, ou nós mesmos, vos
ensinar um Evangelho diferente daquele que vos pregamos, seja anátema"
(São Paulo aos Gálatas 1,8). Esta nossa posição doutrinária foi e continua
sendo a mesma que sempre sustentamos.
Falamos
acima sobre os verdadeiros e sadios motivos que levaram e levam grande número
de católicos ao legítimo amor e preferência pela riqueza litúrgica do rito
tradicional e, portanto, à sua conservação.
Mas,
há que se reconhecer e lamentar que, às vezes, em sua adesão e resistência,
fizeram-se críticas ilegítimas à reforma litúrgica e se foi além dos limites permitidos pela
doutrina católica.
Muitas
vezes, na ânsia de defender coisas corretas e sob pressão dos ataques dos
opositores, mesmo com reta intenção podem-se cometer erros e exageros que, após
um período de maior reflexão, devem ser retificados e corrigidos. São Pio X
comentava que no calor da batalha é difícil medir a precisão e o alcance dos
golpes. Daí acontecerem faltas ou excessos, compreensíveis, mas incorretos.
Erros podem ser compreendidos e explicados, mas não justificados. Santo Tomás
de Aquino nos ensina: “Não se pode justificar uma ação má, embora feita com boa
intenção”.
Por
essa razão, em carta ao Papa de 15/8/2001, os sacerdotes da antiga União
Sacerdotal São João Maria Vianney, agora constituída pelo Papa em Administração
Apostólica, escreveram: "E se, por acaso, no calor da batalha em defesa da
verdade católica, cometemos algum erro ou causamos algum desgosto a Vossa
Santidade, embora a nossa intenção tenha sido sempre a de servir à Santa Igreja,
humildemente suplicamos o seu paternal perdão".
É
preciso sempre ajustar a prática com os princípios que defendemos. Se
reconhecemos as autoridades da Igreja é preciso respeitá-las como tais, sem
jamais, ao atacar os erros, desprestigiá-las. Se houve algum erro ou exagero no
passado quanto a isso, não há nada de mais em se corrigir o erro. Os
princípios, a adesão às verdades da nossa Fé e a rejeição aos erros condenados
pela Igreja continuam os mesmos. O que é preciso é evitar as generalizações,
ampliações e atribuições indevidas e injustas. A justiça e a caridade, mesmo no
combate, são imprescindíveis. Se houve alguma falha também nesse ponto,
corrigir-se não é nenhum desdouro. Afinal, errar é humano, perdoar é divino,
corrigir-se é cristão e perseverar no erro é diabólico.
Assim,
jamais se pode usar a adesão à Liturgia tradicional em espírito de contestação
à autoridade da Igreja ou de rompimento de comunhão. Há que se conservar a
adesão à tradição litúrgica sem pecar contra a sã doutrina do Magistério e sem
jamais ofender a comunhão eclesial. Como escrevi na minha primeira mensagem
pastoral de 5 de janeiro de 2003: “Conservemos a Tradição e a Liturgia
tradicional, em união com a Hierarquia e o Magistério vivo da Igreja, e não em
contraposição a eles”.
Esses
limites, impostos pela teologia católica às reservas e críticas, nos impedem,
por exemplo, de dizer que o Novus Ordo Missae, a Missa promulgada pelo Santo
Padre Paulo VI, seja heterodoxa ou não católica. A sua promulgação (forma, no sentido filosófico) é a garantia
contra qualquer irregularidade doutrinal que pudesse ter havido na sua
confecção (matéria), embora ela possa ser melhorada na sua expressão litúrgica.
E é a sua promulgação oficial, e não o modo de sua confecção, que a torna um
documento do Magistério da Igreja...
Ademais
isso não vem significar absolutamente que estejamos aprovando abusos e
profanações que ocorrem até com certa frequência em Missas celebradas no novo
rito. Estamos falando do rito em latim tal qual foi promulgado pelo Santo Padre
Paulo VI e aprovado pelos seus sucessores. E uma eventual participação em
missas do novo rito não significa aprovação de quaisquer abusos lamentados pelo
Papa, que ali possam ocorrer...
Bem
acertadamente escreveu um escritor católico da atualidade, Dr. Michael Davies,
grande defensor da Missa tradicional e de grande renome nos meios
tradicionalistas: “Alegações têm sido feitas dentro do movimento
tradicionalista de que a Nova Missa não foi apropriadamente promulgada conforme
as normas do Direito Canônico, de que ela não é a Missa oficial da Igreja
Católica, de que assistindo a ela não se cumpre o preceito dominical, de que
ela é ruim, má, ou mesmo intrinsecamente má. Visto que o Papa Paulo VI era um verdadeiro papa, e
que o Missal de 1970 constitui o que é conhecido como uma lei disciplinaria universal,
tais alegações são completamente insustentáveis em vista da doutrina da
indefectibilidade da Igreja. Nenhum papa verdadeiro poderia impor ou mesmo
autorizar para o uso universal um rito litúrgico que fosse em si mesmo
prejudicial aos fiéis. As alegações completamente insustentáveis a que me
referi explicam uma atitude perturbadora que prevalece em certas secções do
movimento tradicionalista nos quais atacar o Missal de 1970 (de Paulo VI)
parece obter prioridade sobre a conservação do de 1570 (Missal de São Pio V).
Não ha nenhuma esperança possível de um reconhecimento do Vaticano ser
estendido a padres que sustentam essas hipóteses insustentáveis, fato que não
parece perturba-los. Nem eles parecem se perturbar com o fato de que tais
teorias não são endossadas por nenhum teólogo qualificado fora do movimento
tradicionalista, ou que o consenso de opinião dentro do movimento as rejeita.
Alguns desses padres não duvidam imaginar que alguém não pode ser um verdadeiro
tradicionalista sem aceitar que a Nova Missa seja má. A documentação que segue
(no seu livro) seria suficiente para provar que de fato aqueles que adotam esta
posição é que não podem se considerar católicos tradicionais, pois defender
que um rito sacramental aprovado pelo
Romano Pontífice é mau é totalmente incompatível com o ensinamento tradicional
da Igreja”.
(Trechos da Orientação
Pastoral O Magistério Vivo da Igreja – Dom Fernando Arêas Rifan).
EXPLICAÇÃO SOBRE AS AFIRMAÇÕES E
ATITUDES NO PERÍODO DE EXCEÇÃO.
Naquela
difícil situação na qual sofremos perseguições e injúrias, houve também da
nossa parte comportamentos e afirmações dissonantes das normas e ensino da
Igreja, das quais já nos penitenciamos e que corrigimos. Tais exageros e
atitudes erradas com relação ao Magistério e à hierarquia da Igreja
infelizmente serviram para aumentar a separação entre nós e a autoridade
diocesana, provocando suas penas canônicas e destituições. Essas afirmações e
atitudes, - estávamos em outras circunstâncias e em outro contexto diferente do
atual -, devemos examina-las e retifica-las à luz do Magistério perene e vivo
da Igreja, que é o critério de verdade, ortodoxia e comportamento para o
católico. Se hoje, comparada com as anteriores, mudamos alguma atitude nossa,
foi para nos adequarmos às orientações do Magistério. Alguns podem erroneamente
pensar que o que foi feito, dito ou vivido num período de exceção e
irregularidade seja o ideal e o normal para um católico. Não! O normal para
todo católico é viver de acordo com o Magistério vivo da Igreja, unido e
submisso à sua hierarquia. Não se pode apelar para aqueles antigos
comportamentos ou afirmações dissonantes do Magistério, como argumento de terem
sido adotados antes, como se tais atitudes ou afirmações fossem os únicos
critérios de verdade, infalíveis e nunca passíveis de correção e melhor
expressão. Quantos santos, mesmo doutores da Igreja, não erraram em doutrina e
em comportamento! Por isso, nos ensina Santo Tomás de Aquino que “devemos nos
apoiar, antes, na autoridade da Igreja do que na de Agostinho, de Jerônimo ou
de qualquer outro doutor” (Summa Theologica, II-II, q. 10, a. 12).
A
maioria desses erros era cometida não pela falta de reta intenção, mas pela má
direção nos ataques, porque hoje continuamos a combater esses erros, agora,
porém, na direção correta. É preciso sempre ajustar a prática aos princípios
que defendemos. Se reconhecemos as autoridades da Igreja, é necessário
respeitá-las como tais, sem jamais, ao atacar os erros, desprestigiá-las. Os
princípios, a adesão às verdades da nossa Fé e a rejeição aos erros condenados
pela Igreja continuam os mesmos. O que se deve evitar são as generalizações,
ampliações e atribuições indevidas e injustas. Muitas vezes, na ânsia de
defender coisas corretas e sob pressão dos ataques dos opositores, mesmo com
reta intenção podem-se cometer erros e exageros que, após um período de maior
reflexão, devem ser retificados e corrigidos. Erros podem ser compreendidos e
explicados, mas não justificados.
(Trecho do livro SEMENTES – Dom Fernando
Arêas Rifan)
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