Padre Michel Schooyans*
Fabricar crianças?
A mais evidente dessas correntes complexas é a corrente
hedonista que, na união conjugal, separa o fim unitivo do fim procriativo.
Por um lado, essa corrente exalta unilateralmente certos
modos de ação e de comportamentos unitivos no casal, excluindo os
comportamentos procriativos. A dimensão unitiva insiste no prazer e no
individualismo hedonista e utilitarista. Vejam o que acontece com a
contracepção. Não há abertura ao outro, não há reconhecimento da identidade do
outro, da diferença que me distingue do outro. Cada um quer fazer aquilo que
tem vontade de fazer.
Por outro lado, a dissociação, a separação entre os dois
fins do casamento, escancara a porta à exaltação unilateral da finalidade
procriativa, excluindo os efeitos unitivos. Considera-se então que suscitar a
vida é uma questão de técnicas e que o enlace amoroso entre homem e mulher não
tem nada a ver com isso.
Esses comportamentos unitivos e essas técnicas procrativas
podem eventualmente ser controlados pelos poderes públicos. No limite, corremos
o risco de logo nos encontrarmos numa sociedade onde não haverá mais lugar para
um amor responsável. Se for o caso, os pais serão despojados de toda
autoridade, de todo direito e de todo dever diante das suas crianças.
A dissolução voluntarista dos dois fins da união conjugal é
o ponto focal tocado em 1968 pela encíclica Humanae Vitae (ver o número 12),
pela exortação sinodal Familiaris Consortio (1981) e por numerosos documentos
magisteriais entre os quais a instrução Donum Vitae (1987) e o estudo Família e
procriação humana (2006). Se chegarmos a separar os dois fins da união
conjugal, e do casamento que sela essa união, tudo pode resultar dessa
dissociação provocada e radical.
Uma vez que exaltamos unicamente o fim unitivo, rapidamente
chegamos a todo o género de práticas sexuais: homossexualismo, lesbianismo,
fornicação, etc. Deixa de haver lugar para a fidelidade, pois o que importa
unicamente é o prazer, o interesse de cada indivíduo. Esse homem deixa de ser
uma pessoa, um ser capaz de se abrir livremente a uma outra pessoa; é um
indivíduo que busca o seu próprio gozo.
Quando, ao contrário, se exalta unicamente o fim procriativo,
chega-se a outras consequências, entre as quais, por exemplo, a procriação
medicamente assistida, a gestação por terceiros, a tecnização da transmissão da
vida a ponto de chegarmos à modificação genética do ser humano. O homem deixa
de se fazer num lar de amor. Não há maternidade, nem paternidade; por
conseguinte, não há mais filiação nem consanguinidade. Com a chegada do
anunciado útero artificial não será necessário que a mulher abrigue uma criança
no seu seio.
Todos esses processos são evidentemente o resultado de
experiências longas e complexas. Os abortos fazem-se “necessários” para
resolver os “insucessos”. Um exemplo de insucesso? A intolerável chegada de um
ser que não se quer, precisamente em nome da exaltação unilateral do fim
unitivo. Assim, os embriões produzidos in vitro e depois implantados serão
seguidos de perto durante a sua gestação. Se se verificarem anomalias, serão
abortados. Lembremos aqui que os casos em que se assinalam anomalias são mais
frequentes nas fecundações in vitro do que nos casos de fecundações naturais.
Por outro lado, um número excedente de embriões é “inevitável” para a
experimentação com células tronco embrionárias.
Sob a pressão das ideologias hedonistas, são geradas
crianças proporcionalmente aos prazeres dos parceiros, às necessidades da
sociedade, tais como estas são definidas pelos “sábios”, por economistas, por
demógrafos, por políticos ou por tecnocratas com forte impregnação ideológica.
A seleção está inscrita nessa tecnização; está na lógica da ideologia liberal
selecionar: o produto deve ser impecável, se não será enviado ao descarte.
Conhecemos a seleção racial; aqui o que conta, é a seleção política, económica,
a qualidade do produto fabricado. O homem e a mulher alienam-se: transferem
para máquinas e para incubadoras a fabricação de crianças. Eventualmente a
criança, o produto fabricado, poderá ser comprado, vendido ou escolhido em
catálogo.
Assim como deve haver o aborto “seguro”, deverá também haver
a procriação “segura”. É preciso “libertar” a mulher da sua capacidade de
procriar porque a procriação natural é muito arriscada. Atualmente, muitas
mulheres não têm filhos porque a procriação é tida como não-segura.
Assim, abre-se o caminho ao prolongamento de uma vida gozosa
e livre das constrições conjugais e parentais. A transmissão da vida já não se
faz segundo uma perspectiva humana; obedecerá a planeamentos ideológicos.
Enfim, na outra ponta da vida, teremos em breve a eutanásia de massa.
O que está em jogo no trans-humanismo
Esses são alguns dos pontos em jogo e que podemos observar
nos debates atuais sobre o trans-humanismo: as novas técnicas – asseguram-nos –
oferecem aos homens meios que permitem dispor dos corpos e fabricar
super-homens. Desculpem a modéstia! Resumindo, assistimos à impulsão de um novo
eugenismo e mais precisamente à construção de novas espécies “humanas”
modificadas geneticamente e hibridificadas com máquinas. Uma tal hibridização
entre o corpo vivo e a matéria morta é irreversível. Assistimos à destruição
irreversível da integridade do corpo humano. Decididamente, a cultura da morte
espalha-se por toda parte...
Hoje em dia, mesmo em certos estabelecimentos hospitalares
que se dizem católicos, praticam-se intervenções tais como o aborto, as
procriações medicamente assistidas, as pesquisas com embriões, sem esquecer a
eutanásia, etc. Quantas vozes, no laicado, no clero e no episcopado, fazem um
convite a que se reconsiderem essas práticas? Diante desse mutismo, é preciso
fazer valer o carácter indissociável entre os fins da união conjugal e o
casamento. Com efeito, é a separação entre os dois fins que escancara a porta
aos múltiplos desvios que hoje conhecemos. Os efeitos perversos da separação
entre os dois fins do casamento vão muitíssimo além da esfera íntima onde essa
separação tem início. Aqueles que atacam à Humanae Vitae, à Familiaris
Consortio, à Donum Vitae e aos outros documentos magisteriais devem ter
percebido que no ensinamento da Igreja não basta sublinhar porque é que a
Igreja recusa a contracepção e o aborto, nem porque é que a Igreja recusa a
ideologia do género; essa ideologia não é senão um dos avatares da dissociação
de que tratamos. É preciso então colocar em evidência que uma vez admitida a
separação entre os dois fins da união conjugal, abrem-se sem nenhuma rede de
segurança todas as possibilidades oferecidas pelas técnicas e asseguradas pelo "direito".
Quanto àqueles que, na Igreja, batalham para que esse cisão
seja admitida, devem saber que correm o risco de provocar um cisma do qual
deverão prestar contas a Deus e aos homens.
O Terror, ontem e hoje
A discussão aqui travada não diz respeito unicamente aos
cristãos de hoje e aos seus adversários. As correntes individualistas que se
encontram na origem dos desvios que acabamos de evocar, desenvolveram-se
inicialmente em Inglaterra, sempre líder intelectual nessas matérias, depois
nos Estados Unidos, estrategistas do eugenismo mundial e país onde os médicos
fazem morrer, sem que isso suscite discussão. Em igual medida, essas correntes
difundiram-se a partir da Alemanha. Recordemos que foi nesse país que se
difundiram e foram postas em prática as ideologias celebrando o racismo e o
eugenismo, bem como a eutanásia.
Ora, essas mesmas correntes desenvolveram-se sobretudo na
França a partir do 'século das luzes'. É a partir de França que se forma, se
desenvolve e se exporta uma poderosa corrente exaltando o indivíduo, o
“sujeito”, a sua razão, a sua liberdade, o seu direito ao prazer, as suas
paixões. A França tornou-se a portadora mundial da tocha da laicidade
republicana. Segundo diferentes impostações, a religião revelada é rejeitada. O
homem progride, garantem-nos, apoiando-se tão somente na sua razão e na sua
experiência; deve-se dar lugar à religião civil ou ao ateísmo. As paixões devem
estar ordenadas à maximização do leque de voluptuosidades. O direito ao prazer
erótico, levado certas vezes ao paroxismo do direito à destruição, é
reivindicado e confortado pela rejeição de Deus.
Ora, após ter-se matado Deus ou agindo como se Deus não
existisse, torna-se difícil encontrar o fundamento do direito. É essa uma das
maiores dificuldades do iluminismo, versão francesa. Desde o século XVIII, uma fração
significativa e atuante da intelligentsia francesa esforçou-se, em nome da
liberdade, de dar ao Terror um lugar na vida pública. Com uma obstinação
acachapante, os manuais de história politicamente corretos transmitem de
geração em geração a vulgata revolucionária.
Não obstante, impõe-se uma revisão dessa vulgata, ainda que
essa revisão seja perturbadora. Os meios de comunicação social e a opinião
pública ergueram-se recentemente, e com razão, face às decapitações e outros atos
de barbárie ocorridos na área de influência do Islão integrista. Porém, é
desonesto ocultar, como se faz nas arengas politiqueiras e nos manuais
escolares, que foram os senhores da guilhotina a guilhotinar em série e a
exportar a sua técnica aprimorada. Esse desvio cruel observa-se ainda hoje.
Orgulhosos da sua ascendência voltairiana, as forças da laicidade agitam como
lúgubre troféu a marca de 200.000 abortos por ano em França. O terrorismo
revolucionário instalou-se de modo duradouro, em nome da liberdade. Querendo ir
muito além do necessário, a França não deixa passar a ocasião de se autoproclamar
“Pátria dos Direitos do Homem”, um erro histórico grosseiro, mas útil à causa
de um messianismo arrogante.
A questão do mal, hoje
Na atual situação, a questão do mal coloca-se como jamais se
colocara antes. É verdade que há tentativas notáveis de se analisar o mal tal
como se apresentou nas grandes ideologias totalitárias do século XX.
Frequentemente se invocou uma perturbação da razão. Mas hoje, em nome de uma
perversão da verdade, desde já desnorteada, somos confrontados com uma
tentativa sem precedentes na história da humanidade: aquela de destruir a
própria humanidade, de destruir a capacidade que o homem tem naturalmente, ou seja,
a capacidade de amar. A recusa de tomar consciência do plano de Deus para o
homem! Essa destruição leva por fim à destruição do corpo do homem pela
destruição irreversível da sua integridade genética. É o maior drama da
história da humanidade.
Não há muito tempo, Hilary Clinton pediu a ONU que o direito
ao aborto fosse proclamado à escala universal. Vejam a perversão que espreita o
direito: como podemos reduzir um ser humano a um objeto do qual se pode dispor
até a destruição? Um ser humano é para ser acolhido, respeitado: não é objeto
de um direito; os juristas dizem que ele não está disponível. Eu tenho direito
de comprar pão, um automóvel ou uma casa. Mas não tenho direito, eu que sou um
ser humano, de matar alguém, de eliminar outro ser humano. Ora, a partir da
dissociação entre os fins não importa o que passa a ser não somente
legalizável, mas até mesmo legal; o próprio direito vê-se desnaturado. No
torvelinho dos acontecimentos, a medicina é também pervertida, uma vez que em
vez de procurar curar, melhorar a saúde, suavizar os sofrimentos, coloca-se a
serviço da morte, tanto antes quanto depois do nascimento. Na Bélgica, por
ocasião do debate sobre a eutanásia de crianças (em 2014), legiferou-se: a lei
passou sem problemas; não houve se não alguns protestos, enquanto que, o que
está em jogo em todos esses debates é o próprio futuro da humanidade.
Proteger a moral natural
Todas essas questões novas não podem ser resolvidas por uma
casuística como esta aqui: “Em tal caso pode-se abortar, em tal caso não se
pode; em tal caso se pode praticar eutanásia, em tal outro não”. Limitamo-nos a
decidir casos pontuais de consciência sem nos referirmos aos princípios
fundamentais da moral. Essa casuística é de certo modo precursora da moral de
situação. O que é preciso é ir verdadeiramente à origem do problema e
reencontrar, na destruição dos fins do casamento, as raízes da ação de Satanás,
hoje, na história da Humanidade e no coração dos homens.
Convém ainda acrescentar uma reflexão a propósito da
casuística que viemos de mencionar. A Igreja se encontra em uma situação
espantosa. Altos prelados, vindos sobretudo das nações opulentas, empenham-se
em introduzir modificações na moral cristão referente aos divorciados-recasados
e a outras situações problemáticas das quais algumas delas foram citadas aqui.
Esse Guardiões da Fé não deveriam, contudo, perder de vista que o problema
fundamental colocado pela destruição dos dois fins do casamento é um problema
de moral natural. É no plano natural que o homem e a mulher são chamados a
unirem-se, para testemunharem o afeto, e para procriarem. É essa a realidade
natural que o Senhor elevou à dignidade de um sacramento. Diante das potencias
que abalam atualmente a família, a Igreja deveria descobrir a sua vocação de
ser a única instância à altura de salvar a sexualidade humana e a instituição
natural do casamento e da família.
Não se trata apenas
de salvar a moral cristã; é preciso salvar e proteger a moral natural. Não é
possível que, por meio de procedimentos casuísticos caprichosos, católicos de
todos os estratos e de todas as idades contribuam para a destruição da moral
natural. Os grandes desvios surgiram quando certos intelectuais católicos
começaram a dizer e a escrever: “Sinal verde para o aborto, para as uniões entre
pessoas do mesmo sexo, para a eutanásia, etc...”. Ora, a partir do momento em
que os católicos seguem este caminho fatal, contribuem para a destruição da
instituição natural do casamento. É toda a comunidade humana que se vê cindida
com essa nova “traição dos clérigos”.
Vale a pena levantar aqui uma questão chave: o Magistério da
Igreja é competente para modificar a moral natural? Uma redução da moral
natural a uma moral puramente casuística leva certos teólogos e certos pastores
a equacionar a redução do direito fundado na natureza do homem. Por ocasião de
um processo recente e muito divulgado nos meios de comunicação social,
comentou-se repetidamente que o direito nada tinha a ver com a moral. A partir
daí, não há direito se não o direito puramente positivo, originário da vontade
isolada do legislador. Nesse último caso, já não há direito que seja inato ao
homem pelo simples fato de ser homem. Não há se não os direitos definidos pelas
instâncias políticas nacionais, internacionais e mundiais. É de se ter
calafrios pensar que a generalização de um direito assim prenunciasse a
instauração de uma sociedade “global”, isto é mundial, teleguiada pela vontade
dos mais fortes.
Resumindo, em vez de proteger a célula familiar da sua
detonação, da sua fissura, o próprio direito coloca-se ao serviço da destruição
da pessoa e da família. O papel do direito não é, ao contrário, proteger o
núcleo conjugal, familiar e os frutos que dele decorrem, a saber, os filhos?
A recepção dos ensinamentos pontificais
O beato Paulo VI conheceu a incompreensão e rejeição quando
da publicação da encíclica Humanae Vitae, encíclica que tanto o fez sofrer.
Disse: “Ainda me agradecerão por ter publicado este documento”.
S. João Paulo II retomou esse ímpeto com o seu compromisso
em favor dos mais pobres e dos mais vulneráveis. Daí os seus repetidos apelos
para que se pusesse um fim à banalização do aborto e à sua legalização. Nas
intervenções posteriores de João Paulo II, foram examinadas outras questões
cruciais. O Papa aborda ali, entre outras, as políticas de controle de
nascimentos, especialmente nos países do terceiro mundo. Menciona também o
aumento da esperança de vida do nascituro, principal causa do envelhecimento da
população, envelhecimento que por sua vez, é invocado com vistas à legalização
da eutanásia. Estamos, portanto, diante de um conjunto de problemas emaranhados
aos quais as pessoas estão mais e mais atentas, ainda que estejam
frequentemente pouco ou mal informadas, como mostram as discussões nos países
ocidentais sobre as adequações a serem feitas na idade da reforma.
S. João Paulo II exprimiu no rosto, no seu comportamento, na
sua ação, nos seus discursos, nas suas encíclicas, com toda a sua maneira de
ser que foi um mediador entre Deus e os homens. Em todos lugares onde foi, no
mundo todo, foi percebido como um enviado de Deus, mesmo entre os não-cristãos.
Era um ícone vivo de Deus entre os homens. Deu aos homens a confiança
necessária para que as pessoas se engajassem no serviço à vida e à família. S.
João Paulo II é o Papa que terá salvado a família, que terá salvado incontáveis
vidas humanas com o poder da sua palavra. Desse ponto de vista, S. João Paulo
II aparece no primeiro plano das figuras carismáticas da Igreja contemporânea.
Tinha efetivamente um contato extraordinário com os homens, as mulheres, as
crianças de todos os meios. Mas aquilo que mais nos retém a atenção, é sua
determinação em salvar a vida e a família. Ele mobilizou as pessoas e os casais
suscitando-lhes a audácia de lançarem-se à aventura de serem pais, de acolherem
a vida, de serem profissionais da ternura.
Será preciso que a Igreja retorne à Humanae Vitae de Paulo
VI, bem como aos ensinamentos de João Paulo II e de Bento XVI sobre essas
questões. O Papa Francisco permanece na trilha dos seus predecessores cada vez
que sublinha a coincidência entre o Evangelho do amor e o Evangelho da alegria.
Será preciso fortalecer o peso magisterial de todo esse ensinamento, colocar em
relevo a sua coerência e proteger esse tesouro contra os predadores.
A conversão do coração
Não é pretendendo modificar o homem ou “melhorá-lo” por meio
de técnicas arriscadas que se irão elevar os indicadores de justiça, de bem
estar e de felicidade. As técnicas disponíveis atualmente lançam-se rumo a
lugar nenhum; cedem o leme ao sonho. A utopia está em vias de assumir o comando
do mundo mas não resultará em nada. Ela necessita da ideologia para convencer o
homem da “legitimidade” da transgressão. As utopias cientificistas ou políticas
de hoje não fazem senão espelhar a enésima sociedade ideal. Pretendem que para
alcançar esse fim seja preciso modificar o homem ou reconstruí-lo. Sem essa
modificação do homem, a construção da sociedade ideal estará bloqueada. Segundo
essa lógica, os cristãos serão desprezíveis se recusarem aderir a esse projeto;
devem ser perseguidos.
Ora, o homem de hoje deve libertar-se dessas armadilhas
ideológicas que o confinam em novas escravidões. O que é preciso é restaurar o
respeito devido ao homem. É preciso chamar o homem à conversão do coração para
que possa abrir-se aos valores verdadeiros e comprometer-se no seu serviço.
Essa restauração do homem implica uma etapa preliminar: é preciso desmascarar
as armadilhas prometeicas e tornar manifesto o peso de pecado que elas injetam
nas nossas sociedades.
Essa reapropriação do homem por ele mesmo permite que se
tomem hoje medidas em função da sociedade que se quer construir. É o que nos
ensinou a prospectiva. A moral não pode mais satisfazer-se com a previsão que
vê no futuro uma simples extrapolação do presente. No caso da previsão, o
futuro previsto está determinado; ele escapa à responsabilidade moral. A
prospectiva por sua vez, considera que esse futuro se constrói, não é o objeto
de um sonho; é ele que determina o presente e faz da decisão um ato moralmente
responsável.
Levar a esperança ao mundo
Dessas novas escravidões o homem não sairá se não voltar a
ser senhor de si, reafirmando a sua capacidade de discernir e decidir. Prever o
futuro como mera extrapolação do presente, como o seu prolongamento, não é de
modo nenhum suficiente para dar sentido à ação. Uma concepção previsionista do
futuro não abre espaço algum à decisão livre e responsável, pois o futuro já
está ali determinado. A moral da responsabilidade convida-nos a agir no mundo
de hoje tendo em vista um mundo melhor que desejamos preparar para os jovens de
hoje.
Toda a moral referente à sexualidade humana e à família deve
dirigir a sua reflexão para o longo termo. O futuro que preparamos para as
gerações que virão depende da qualidade das decisões que tomamos – ou não
tomamos – hoje. Os pobres e as crianças são nossos senhores. Devemos
preocupar-nos com eles. Somos por eles responsáveis. Devem poder segurar a mão
que lhes estendemos para levá-los da morte à vida. A prospectiva deixa um amplo
espaço de livre decisão e assim de abertura aos valores hierarquizados. Ela
mobiliza à vontade; convida ao compromisso; comove o coração diante de todas as
misérias sobre as quais o homem, se quiser, pode agir.
Certamente todos os temas abordados pelo sínodo da família
merecem ser discutidos. Mas a Igreja corre o risco de se perder ao exaltar as
previsões delirantes em lugar de oferecer à sociedade humana a mensagem de
esperança que o Senhor lhe confiou e que ela tem, por mandato, de levar às
Nações.
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* Sacerdote da arquidiocese de Malines-Bruxelas - Doutorado
em filosofia e teologia - Professor emérito da Universidade Católica de Louvain, Bélgica - Membro da
Pontifícia Academia de Ciências Sociais do Vaticano, do Instituto Real de
Relações Internacionais, em Bruxelas, o Instituto para a política demográfica ,
em Paris, o Population Research Institute , em Washington
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