Padre Matheus Pigozzo
Sacerdote na Arquidiocese de
Niterói/RJ
Geralmente quando falamos de
vocação logo pensamos em sacerdócio, vida religiosa ou alguma outra consagração
específica, mas qual será o motivo por não falarmos do matrimônio? Será que os
esposos não receberam um chamado de Deus para se unirem? Será que não devem
desempenhar uma missão na Igreja e na sociedade? Será que o matrimônio está
somente num plano natural, como se fosse o estado de vida oficial dos não
chamados? Pois bem, acho que o problema está no pouco conhecimento que se tem,
em geral, sobre a vocação matrimonial. O matrimônio é uma vocação, é um chamado
de Deus a algumas pessoas, e por ser um chamado tem sua finalidade, tem seus
objetivos e seu papel.
Deus ao criar o homem e a mulher
deu-lhes uma ordem: “crescei e multiplicai-vos” (Cf. Gn 1,28) e colocou na
natureza humana o dom da sexualidade. Este dom, como naturalmente constatamos,
por ser unitivo (doação mútua e unidade do casal) e procriativo (aberto à
geração da vida) reclama, exige a estabilidade dos dois, a constituição de um
lar, de uma família, que poderá assim sustentar a consequência natural inerente
ao ato conjugal. Cristo Jesus elevou esta instituição, naturalmente constituída,
ao grau de sacramento. Para guardar o precioso dom de serem cooperadores de
Deus na geração da vida, o Pai estabeleceu a família e o Filho a
sacramentalizou fazendo esta união indissolúvel. Por isso, o sexo fora da
família, esta que para os católicos se inaugura na recepção do sacramento do
matrimônio, foge da ordem estabelecida por Deus na natureza do homem e pela
revelação.
A Igreja, analisando a ordem
natural e guardando a revelação de Deus, aponta quais são os fins do
matrimônio, indica a missão do casal, ensina para que foram chamados à vivência
desta vocação. O matrimônio tem dois principais fins: a ajuda mútua que os dois
devem se prestar e a procriação e educação da prole. São João Paulo II na
Familiaris Consortio recorda que para este último deve se orientar o amor
esponsal – “… o próprio matrimônio e o amor conjugal se ordenam à procriação e
educação da prole…”(n.14); e por fim o matrimônio é também remédio contra a
concupiscência.
Agora pensemos com maturidade e
sinceridade: Será que nós, filhos da Igreja, nos demos conta desta importante
missão conjugal? Será que os casais param para pensar que, mais que serem
excelentes profissionais, mais que terem uma vida cômoda e tranquila, ou ainda,
mais que serem exímios agentes de pastorais, eles foram colocados no mundo com
a grande missão de, com responsabilidade, cooperarem com o Criador gerando
vidas e educando-as na fé? Pois bem, um casal que tomou consciência da missão
que recebera diante do altar de Deus, vai, como que um exército, orientar suas
atividades e pensar em estratégias, para cumprir com empenho seu objetivo. Aí
os valores são colocados nos seus devidos lugares: para quê, como e com qual
intensidade trabalhar? Para quê e com quê medida se divertir? O quê e quanto
possuir? A resposta última sempre será a família, o bem dela e a finalidade do
chamado recebido.
Neste momento de nossa reflexão
poderia surgir um questionamento: Então um casal deve ter filhos sempre, sem
medir as consequências e sem planejamento? Não! A Encíclica Humanae Vitae do
Papa Paulo VI comenta que pode haver “motivos sérios” para o espaçamento da
gravidez – “que derivem ou das condições físicas ou psicológicas dos cônjuges,
ou de circunstâncias exteriores…”(n.16); é sabido que o mesmo documento
magisterial adverte que o único modo de fazer isso licitamente, sem atentar
contra a lei moral estabelecida por Deus na natureza humana, é o recurso aos
períodos infecundos do ciclo feminino, sendo portanto, um grave pecado a
utilização de qualquer anticonceptivo visando eliminar um dos aspectos
intrínsecos da verdade do ato conjugal, o aspecto procriativo. O que parece
claro na doutrina é que o matrimônio é um chamado, uma vocação; sua missão se
ordena para a geração e a educação dos filhos e que, só não é negligente evitar
a geração por “motivos sérios”. Neste último ponto que gostaria de refletir um
pouco mais.
É comum, ao perguntar aos casais
de noivos sobre os futuros filhos, recebermos a quantidade exata que pensam,
geralmente: dois, três, no máximo… Porque a resposta não é: quantos pudermos
ter? Parece assustador dizer isso, parece loucura! Hoje a sociedade doutrinou
as consciências com a mentalidade anticonceptiva, a ideia de uma mulher que tem
muitos filhos, que os educa e zela por sua casa é tida como uma ofensa a sua dignidade,
soa como uma concepção machista e medieval. Atualmente a quantidade de filhos
que tem um casal não se baseia na missão que receberam de Deus, mas sim no
egoísmo; o filho é a realização individual, o herdeiro de um nome, de umas
posses, de um estilo ou, até mesmo, o suplemento de uma carência pessoal. É
certo que só o casal pode dizer se é ou não o momento de ter filhos, no
entanto, este discernimento deve ser purificado de todo egoísmo, para que os
“motivos sérios” alegados não sejam apenas motivos fúteis provindos do amor
próprio e egocêntrico.
Todo casal católico deve pedir a
luz divina para analisar se estão ou não vivendo autenticamente sua vocação,
para ver se a quantidade de sua prole está sendo orientada pelo desejo de
cumprir sua missão diante do chamado de Deus, ou ditada pela busca vaidosa de
comodismos exagerados como: carros novos, aparelhos de última geração; ou por
empreendedorismos profissionais desnecessários: possibilidade de mais horas de
trabalho para receber cargos importantes sem necessidade, valorização do status
profissional; ou ainda, por desejar evitar desgastes querendo a tranquilidade
preguiçosa e a vazia despreocupação. Nesta análise o casal deve estar atento,
pois muitas desculpas podem aparecer para o fechamento à vida, às vezes até com
uma roupagem bem lógica e razoável, mas que no fundo só esconde o avassalador
egoísmo: “não conseguiremos pagar a melhor escola da cidade para eles…”; “já
temos mais de 35 anos, não temos mais paciência”; “não teremos condição de
dar-lhes um carro quando fizerem 18 anos…”; “não poderemos pagar uma viagem
para todos aos EUA em nossas férias…”.
Toda atividade do casal deve
estar voltada para melhor desempenhar sua missão, que tem como orientação a
geração de filhos e educação dos mesmos. A busca de crescimento profissional, a
ascensão do salário deve dispor as condições materiais para desempenhar a
missão familiar. O lazer e descanso devem ter como objetivo a convivência e o
equilíbrio psíquico para a missão. A posse de bens precisa visar a qualidade de
vida dos membros sem que a procura da aquisição do supérfluo feche a família à
geração de novas vidas. Tais meios, por mais lícitos que sejam, não podem ser o
fim da família, eles não podem fazer com que os casais negligenciem o chamado
que receberam. Gerar os filhos que puderem, não significa ter filhos sem
responsabilidade, o casal deve averiguar se tem condições para desempenhar o
seu papel de pais, mas o fato de no momento não reunir os quesitos necessários
não permite uma inércia, o casal deve travar uma luta para alcançar o patamar
que precisa para realizar o que lhe foi confiado.
“A vocação universal à santidade
é dirigida também aos cônjuges…”(Familiaris Consortio n.56), nos lembra João
Paulo II, e essa meta, a santidade, eles alcançam por meio da vivência
autêntica de sua vocação. Por isso, se torna urgente o aprofundamento do
conhecimento sobre a vocação matrimonial: o tema da fecundidade, do correto
procedimento da sexualidade e as finalidades do matrimônio e, ao mesmo tempo, a
motivação de se abrirem à conversão sem medo de deixarem para trás concepções
que vão contra a doutrina da Igreja. Os cônjuges precisam suplicar a coragem de
se lançarem nos planos de Deus, tendo confiança de que Ele só pede o que seus
filhos podem dar, contando sempre com sua ajuda. Que a Virgem Maria, Mãe e
Mestra, ajude-nos a vencermos o egoísmo e com amor obedecer sempre a Deus,
cumprindo com atenção a missão que Ele dá a cada um dos seus.
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