quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Homilia do Papa na Missa com religiosos em Morelia, no México



 Há um ditado que recita assim: «Diz-me como rezas e dir-te-ei como vives, diz-me como vives e dir-te-ei como rezas»; porque, mostrando-me como rezas, aprenderei a descobrir o Deus vivo e, mostrando-me como vives, aprenderei a acreditar no Deus a quem rezas, pois, a nossa vida fala da oração e a oração fala da nossa vida, e a nossa vida fala na oração e a oração fala na nossa vida. Aprende-se a rezar, como se aprende a caminhar, a falar, a escutar. A escola da oração é a escola da vida, e a escola da vida é o lugar onde fazemos escola de oração.

 São Paulo, ao seu discípulo predileto Timóteo, quando lhe ensinava e o exortava a viver a fé, dizia: “Recorda-te de tua mãe e de tua avó”. E aos seminaristas, quando entravam no Seminário, muitas vezes me perguntavam: “Padre, eu, porém, gostaria de fazer uma oração mais profunda, mais mental…”. “Olha – respondia – continua a rezar como te ensinaram na tua casa. E depois, pouco a pouco, a tua oração crescerá, assim como a tua vida cresceu”. A rezar se aprende, como na vida.

Jesus quis introduzir os seus no mistério da Vida: no mistério da vida d’Ele. Comendo, dormindo, curando, pregando, rezando, Ele mostrou-lhes que significa ser Filho de Deus. Convidou-os a partilhar a sua vida, a sua intimidade e, enquanto estavam com Ele, fez-lhes tocar na sua carne a vida do Pai. No seu olhar, no seu caminhar, fê-los experimentar a força, a novidade de dizer: «Pai Nosso». Em Jesus, esta expressão não tem o sabor velho da rotina ou da repetição; pelo contrário, tem sabor de vida, a experiência, a autenticidade. Ele soube viver rezando e rezar vivendo, ao dizer: Pai Nosso.

E convidou-nos a fazer o mesmo. A nossa primeira chamada é para fazer experiência deste amor misericordioso do Pai na nossa vida, na nossa história. A primeira chamada que Jesus nos fez foi para nos introduzir nesta nova dinâmica do amor, da filiação. A nossa primeira chamada é para aprender a dizer «Pai Nosso», dizer Abbá.

A propósito da sua chamada, diz São Paulo: «Ai de mim, se eu não evangelizar! » Ai de mim, porque evangelizar «não é para mim – explica – motivo de glória, é antes uma obrigação que me foi imposta» (1 Cor 9, 16). Pois bem! Jesus chamou-nos para participar na sua vida, na vida divina: Ai de nós, se não a compartilharmos! Ai de nós, se não formos testemunhas do que vimos e ouvimos! Ai de nós! Não somos nem queremos ser funcionários do divino; não somos, nem o queremos ser jamais, empregados de Deus, porque fomos convidados a participar na sua vida, fomos convidados a encerrar-nos no seu coração, um coração que reza e vive dizendo: Pai Nosso. E o que é a nossa missão se não dizer com a nossa vida – do princípio ao fim, como o nosso irmão bispo que faleceu esta noite – o que é a missão se não dizer com a nossa vida: Pai nosso?

É a este Pai Nosso que nos dirigimos todos os dias rezando: Não nos deixeis cair em tentação. Fê-lo o próprio Jesus. Rezou para que nós, seus discípulos – de ontem e de hoje –, não caíssemos em tentação. E uma das tentações que nos assalta, uma das tentações que surge não só de contemplar a realidade, mas também de viver nela… sabeis qual pode ser? Qual é a tentação que nos pode vir de ambientes dominados muitas vezes pela violência, a corrupção, o tráfico de drogas, o desprezo pela dignidade da pessoa, a indiferença perante o sofrimento e a precariedade? À vista desta realidade que parece ter-se tornado um sistema irremovível, qual é a tentação que repetidamente nos vem?

Acho que poderemos resumi-la com a palavra resignação. À vista desta realidade, pode vencer-nos uma das armas preferidas do demônio: a resignação. “O que podemos fazer? A vida é assim…” Uma resignação que nos paralisa e impede não só de caminhar, mas também de abrir caminho; uma resignação que não só nos atemoriza, mas também nos entrincheira nas nossas «sacristias» e seguranças aparentes; uma resignação que não só nos impede de anunciar, mas impede-nos também de louvar: tira-nos a alegria, a alegria do louvor. Uma resignação que nos impede não só de projetar, mas também de arriscar e transformar.

Por isso, Pai Nosso, não nos deixeis cair em tentação.

Nos momentos de tentação, faz-nos muito bem apelar para a nossa memória. Ajuda-nos muito considerar a «madeira» de que fomos feitos. Não começou tudo conosco, nem acabará tudo conosco; por isso, faz-nos bem recuperar a recordação da história que nos trouxe até aqui.

E, revisitando a memória, não podemos esquecer-nos de alguém que amou tanto este lugar, que se fez filho desta terra. Alguém que pôde dizer de si mesmo: «Tiraram-me da magistratura para me porem na plenitude do sacerdócio por mérito dos meus pecados. A mim, inútil e completamente inábil para a execução de tão grande empreendimento; a mim, que não sabia remar, elegeram-me primeiro bispo de Michoacán» (Vasco Vásquez de Quiroga, Carta pastoral, 1554). Agradeço ao Senhor Cardeal Arcebispo, porque quis que se celebrasse esta Eucaristia com o báculo e o cálice deste homem.

Convosco quero lembrar este evangelizador, conhecido também como Tato Vasco, como «o espanhol que se fez índio».

A realidade vivida pelos índios Purhépechas – que ele descreve como «vendidos, vexados e errando pelos mercados a recolher os restos que se deitavam fora» –, longe de o fazer cair na tentação da acedia e da resignação, moveu a sua fé, moveu a sua vida, moveu a sua compaixão e estimulou-o a realizar várias iniciativas que permitissem «respirar» no meio desta realidade tão paralisante e injusta. A amargura do sofrimento dos seus irmãos fez-se oração e a oração fez-se resposta concreta. Isto valeu-lhe, entre os índios, o nome de «Tata Vasco» que, na língua purhépechas, significa «papá».

Pai, Papá, Abbá…. Esta é a oração, esta é a palavra que Jesus nos convidou a dizer.

Pai, Papá, Abbá, não nos deixeis cair na tentação da resignação, não nos deixeis cair na tentação da perda da memória, não nos deixeis cair na tentação de nos esquecermos dos nossos maiores que nos ensinaram, com a sua vida, a dizer: Pai Nosso.

Franciscus PP
Boletim de Imprensa da Santa Sé

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