segunda-feira, 14 de março de 2016

A glória do silêncio

Assim vive em um presente que não tem um amanhã. Deus fala no silêncio e por isso o solitário cala. A tarefa primordial é deixar-se formar, trabalhar, e estruturar pelo silêncio, que dá a capacidade de bem viver e bem morrer...”- (Monge desconhecido).


No silêncio reza melhor. Enche-se de amor e vive o equilíbrio das emoções. Na glória do silêncio a vida encontra a verdadeira felicidade. A paz, a serenidade, a alegria, o equilíbrio emocional, a incomensurável energia do realizável,  a comunhão da irmandade, o respeito pela dignidade da pessoa humana, força e poder para suportar as tormentas, coragem diante das incompatibilidades, caridade e justiça para o bem comum. O silêncio tem como fundamento a maravilhosa graça de Cristo, o amor eterno de Deus e a profunda comunhão do Espírito Santo.

Toda espiritualidade do silêncio, a experiência do deserto, a teologia ascética e mística têm nesse tripé a sua ortodoxia. Daí a vida cristã caminha na fé, no amor e na esperança. É nesse contexto que a alma busca Deus com toda fome e sede. O desejo ardente pelas coisas espirituais e a abissalidade contemplativa se guia pela docilidade do silêncio. O silêncio é arte pedagógica da alma para Deus. O monge e o eremita têm muito a nos ensinar. Precisamos demais aprender com a riqueza do patrimônio sapiencial do monasticismo e eremítico. É a falta dessa colossal sabedoria que a nossa sociedade vive numa catástrofe. Cada dia que passa o conhecimento desse patrimônio fica mais distante das mentes e dos corações.

No entanto, resta tão somente viver essa sabedoria divina no testemunho de vida, nos escritos e no silêncio. A Santíssima Trindade tem chamado monges e eremitas num mundo tomado de guerras, conflitos, terrorismos, vícios, luxúrias e agressão à natureza. Esses ascetas, místicos e contemplativos são verdadeiras luzes nesse mundo de tantas trevas e de profundo abismo. Esses homens e mulheres são os embriagados de Deus, ou seja, mergulham no silêncio e na radical busca de intimidade com a Trindade Santíssima. Só há uma razão de viver, unicamente para Deus. Por muitos que não vivem para Deus e  sua vontade, eles vivem muito para Deus e sua vontade, realizando a caridade da intercessão  para o bem de todos. Pelo exemplo de vida: sem ostentação, sem consumismo, sem espetacularização e sem escravidão pelas coisas materiais, eles causam impacto e desperta consciência em prol de algo melhor, maior e eterno. A sua contribuição para sociedade é de sustentabilidade em todos os níveis, principalmente espirituais e emocionais.

A glória do silêncio é a glorificação, o louvor e a nossa adoração a Santíssima Trindade que cantamos  muito mais com a alma do que com a boca.

“A minha vida aqui não é a de um missionário, mas a de um eremita” escreveu o eremita do deserto do Saara Charles de Foucauld a Henry de Castries, 28 outubro de 1905 (1). A 2 de Julho de 1907, ele escreveu a Dom Guérin, destacando as palavras “Eu sou um monge, não um missionário, feito para o silêncio, para não falar” (2). Esta recusa em ser chamado missionário levou-o a querer desenvolver um apostolado da presença “silenciosa”, “incógnito”. Em correspondência, o Padre Charles acredita que esta presença é essencial, a fim de “gritar com a vida o Evangelho de Cristo”.



Pe. Inácio José do Vale

Fraternidade Sacerdotal Jesus Cáritas

Religioso da Fraternidade da Visitação de Charles de Foucauld




Notas:



 (1)  Foucauld, Letters to Henry de Castries , Paris, Grasset, 1938, p. 177.



 (2) Citado em J.-F. Six. Itinerário espiritual de Charles de Foucauld , Paris, Seuil, 1958, p. 280.

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