segunda-feira, 13 de julho de 2020

Igreja e Candomblé na Bahia

Padre Gabriel V. Verde*

Uma pessoa me perguntou como era a situação da Igreja na Bahia, em relação ao sincretismo. Disse a ela que responderia segundo a minha experiência, que é a seguinte: 


Sou Pároco numa antiga região de engenho do Recôncavo Baiano, onde a maioria da população é negra e descendentes de negros escravizados. Para que se tenha uma ideia, em cada rua há um Terreiro de Candomblé. Está enraizado na cultura do povo! Porém, eu estou na Paróquia há quase três anos e, até agora, não encontrei nenhum problema com eles. Inclusive alguns, quando veem a Matriz aberta, tiram as sandálias e entram. Outros, quando me veem na rua, dizem "a bença padre". Respondo: "Deus te abençoe", como respondo a qualquer pessoa. Até mesmo uma senhora que é ialorixá (mãe de santo, no popular), só me pede a bênção de joelhos, e até quando entra na secretaria paroquial, tira o chinelo.

Quando a Paróquia realiza procissões, muitos deles ficam na porta, esperando o andor passar com profunda reverência. Há o respeito mútuo! Eu só peço uma coisa a eles: que se por ventura, quiserem entrar na Matriz, que não façam nenhum tipo de ritual, nem usem as indumentárias. Assim eles obedecem! Só teve uma pessoa que ameaçou ir num batizado com suas vestes de culto, mas eu soube com antecedência e pedi à Pastoral do Batismo que comunicasse ao líder deles. O mesmo foi repreendido e respeitou o ambiente.

Meus paroquianos são catequizados sobre isso. Ensino que não devemos rezar dois credos, ensino que não podemos crer em Jesus e nos orixás ao mesmo tempo, ensino que não podemos fazer da religião uma "salada de frutas". Se você é católico, seja apenas católico. De doutrina, eles não podem reclamar, porque recebem diariamente nas homilias.
Agora, se alguém me pergunta com quem eu tenho dificuldades, posso dar duas categorias: alguns grupos ditos "evangélicos" e certos tipos de católicos. Com o primeiro, pelo atrevimento em fazer cultos na porta da Matriz, em fazer marcha para Jesus na véspera da procissão da Padroeira, etc. Com eles sim, a relação é um pouco difícil. 

Já com os católicos, não é que eu tenha problemas, mas eu não entendo como uma pessoa do candomblé tira as sandálias para entrar na Igreja, e um católico entra comendo biscoito e falando alto. Não entendo como uma ialorixá pede a bênção de joelhos, e católicos tratam seus pastores como se fossem colegas de escola. É difícil compreender, mas o ser humano sempre será uma caixinha de surpresas.


* Pároco da Paróquia
Nossa Senhora da Soledade
Acupe de Santo Amaro - BA

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