terça-feira, 13 de agosto de 2019

O Instituto João Paulo II caiu. Mas com honra?

Na batalha histórica em curso dentro da Igreja, caiu uma torre: o Instituto João Paulo II. Para situar o acontecimento no seu contexto, é útil o artigo de George Weigel, com o significativo título Os vândalos saqueiam Roma… de novo. Segundo Weigel, depois do Concílio Vaticano II abriu-se uma «guerra de sucessão» entre «dois grupos de teólogos reformistas anteriormente aliados» reconhecidos em duas revistas, Concilium e e Communio: a primeira ultra-progressista, a segunda moderada. O que estava em jogo era a batalha pelo «controle das faculdades nos departamentos de teologia de todo o mundo».

A eleição de João Paulo II, que nomeou Joseph Ratzinger Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, marcou a prevalência dos moderados sobre os extremistas. Estes últimos, a partir de 1978, viram-se «à margem do grande jogo da política eclesiástica – embora continuassem a manter um controle férreo sobre a maior parte dos cargos nas faculdades teológicas e em muitas publicações teológicas». João Paulo II – explica o escritor americano – não expurgou as universidades eclesiásticas de professores progressistas, mas promoveu a fundação de novos institutos como a Universidade da Santa Cruz, do Opus Dei (e, acrescentamos, a Regina Apostolorum, dos Legionários de Cristo ). O Papa Wojtyla estava, de facto, «confiante de que a boa moeda – a boa teologia – acabaria por expulsar a má moeda ética». O Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para as Ciências do Matrimónio e da Família foi o «instrumento-chave» desta operação cultural, sobretudo para aprofundar a recepção da parte de toda a Igreja da encíclica de João Paulo II Veritatis splendor (1993). Os progressistas, a quem Weigel chama homens «teimosos» e «implacáveis», esperavam o momento para acertar as contas. A ocasião chegou nas últimas semanas, quando o novo Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para as Ciências do Matrimónio e da Família, do qual é Grão-Chanceler o Arcebispo Vincenzo Paglia, realizou uma purga «de estilo estalinista» contra a herança teológica e pastoral de João Paulo II. O caso mais clamoroso foi a supressão, após 38 anos de vida, da cadeira de Moral Fundamental, leccionada por Mons. Livio Melina. A conclusão, que é também o incipit do artigo de Weigel, é que «um exercício de bruto vandalismo intelectual está em curso, em Roma, desde 23 de Julho: o que era originalmente conhecido como o Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para as Ciências do Matrimônio e da Família foi peremptória e sistematicamente privado dos seus professores mais ilustres, e os seus cursos centrais de Teologia Moral foram cancelados».

No entanto, na reconstrução do nosso amigo George Weigel há um vazio que tentamos preencher. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que os vinte e sete anos do pontificado de João Paulo II foram seguidos pelos oito anos de governo da Igreja de Bento XVI. Ao todo, trinta e cinco anos de domínio eclesiástico dos moderados. Como poderia acontecer que, apesar deste longo período de prevalência reformista, os jacobinos pudessem tomar o poder, exercendo, hoje, uma implacável repressão contra os seus adversários? Surge a dúvida de que isso se deve à intrínseca fraqueza da frente moderada. Fraqueza doutrinal, fundada na tentativa de justificar, a qualquer custo, um evento, como o Concílio Vaticano II, que tem pesadas responsabilidades, a começar pela ausente condenação do comunismo, num momento histórico em que isso constituía a mais grave ameaça para a Igreja e para o Ocidente. Fraqueza estratégica, porque quem está convencido de defender a verdade não pode tolerar que nas universidades e nos seminários eclesiásticos se continue a ensinar, por décadas, o erro, como aconteceu durante os pontificados de João Paulo II e de Bento XVI. A estratégia de promover a verdade, evitando condenar o erro, não compensa. Os fatos não confirmaram esta estratégia, mas confirmaram a lei de Thomas Gresham (1519-1579), segundo a qual é a má moeda que expulsa a boa (bad money drives out good), e não o contrário.

A renúncia ao pontificado de Bento XVI, a 11 de Fevereiro de 2013, foi, além disso, a declaração do fracasso desta estratégia. A hermenêutica da continuidade revelou-se incapaz de contrariar o jacobinismo eclesiástico, que não é uma linha interpretativa de documentos teológicos, mas um projecto de conquista do poder através dos homens e dos fatos. A eleição do Papa Francisco foi a inevitável consequência do fracasso histórico do reformismo moderado. Jorge Mario Bergoglio opõe o seu “magistério vivente” da Igreja a quem se refere ao “magistério vivente” do Vaticano II. Se um Concílio da Igreja tem sempre razão, como podemos culpar um Papa que se apresenta como a encarnação desse evento? O Papa Francisco, por sua vez, como todos os jacobinos, detesta, mais do que outra coisa, a ambiguidade e as contradições dos moderados, respeitando e temendo a coerência dos contra-revolucionários. E se hoje o Instituto João Paulo II é saqueado por vândalos, é precisamente porque não resistiu abertamente ao Papa Francisco quando era o momento.

A exortação Amoris laetitia, de 19 de Março de 2016, tinha o claro objetivo de destruir a Veritatis splendor e o ensinamento moral de João Paulo II, substituindo-o por um novo paradigma moral. Os professores do Instituto João Paulo II, em nome da Veritatis splendor, e da sua própria história pessoal, deveriam ter-se erguido como um só homem contra este atentado à moral católica, especialmente depois da recusa do Papa Francisco em receber os cardeais autores das dubia e após o rescrito de 5 de Julho de 2017, segundo o qual a interpretação autêntica do documento pontifício era a dos bispos argentinos. A intenção do Papa Francisco era, e é, clara para todos. No entanto, nenhum dos teólogos do Instituto assinou a Correctio filialis de haeresibus propagada, a 24 de Setembro de 2017, nem produziu nenhum documento em que a Amoris laetitia tenha sido exposta a severas críticas.

A 3 de Agosto, numa entrevista a La Verità, Mons. Livio Melina apresentou-se como vítima de um expurgo injusto, alegando ter sido surpreendido por ter querido interpretar a exortação Amoris laetitia à luz do Magistério da Igreja. O problema é que a Amoris laetitia não pode ser interpretada à luz do Magistério perene, porque propõe um novo paradigma moral irreconciliável com a Veritatis splendor. O Papa Francisco está convencido disso e nós estamos com ele. Talvez também Mons. Melina esteja convencido disso, mas nunca o disse publicamente. Este silêncio não impediu a sua decapitação. Por que surpreender-se? A história da Revolução Francesa não ensina alguma coisa?

A batalha exige homens que lutem com clareza a favor ou contra a Tradição da Igreja. Mas se acontece que um Papa se opõe à Tradição, devemos distanciar-nos respeitosamente disso, permanecendo firmes dentro da Igreja, da qual ele, não nós, parece querer separar-se. Um teólogo talentoso como Mons. Melina tem todas as ferramentas intelectuais para compreender como é possível resistir aos erros doutrinários e pastorais de um Papa sem nunca faltar ao amor e à devoção que devemos reservar à Cátedra de Pedro. A hora do minimalismo passou. Chegou a hora em que a Verdade e o erro se devem olhar na cara, sem compromisso. Esta é a única possibilidade que tem a Verdade para vencer. Precisamos de homens que lutem e, se necessário, caiam, mas com honra.

Roberto de Mattei
7 de agosto de 2019


FONTE; https://www.corrispondenzaromana.it/chiesa-cattolica-listituto-giovanni-paolo-ii-e-caduto-ma-con-onore/

FratersinUnum

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