Por Hermes Rodrigues Nery – 4 de setembro de 2018
Quando estive pela segunda vez em Roma, em 1998,
deparei-me com padres que não eram apenas tolerantes com gays, que já naquela
época usavam a retórica da misericórdia para justificar apelos velados, sutis,
a uma prática que destoava claramente do ensinamento do Catecismo da Igreja
Católica. Um deles chegou a insinuar que o Catecismo estava “fora da
realidade”, e fez apologia a “avanços da ciência” buscando imprimir um
relativismo para a aceitação do abominável, pois relatos de crianças abusadas
por padres e bispos, crianças em sua vulnerabilidade (inclusive social), muitas
delas com idade muito tenra, foram vítimas de abusos físicos, e isso é mesmo
abominável. Quem está mais exposto à essa violência são as crianças, e
atualmente a situação está mais grave do que na década de 90.
Quanto mais os padres relativizavam a dimensão
moral da sexualidade humana, e quanto mais silêncio faziam de casos conhecidos
(ad intra), mais o lobby gay se disseminava, visando evidentemente chegar ao
estupor geral da sociedade (como o que estamos vivenciando agora), com as
condições políticas criadas pelos promotores do gay power para
justificar o ataque ao celibato clerical. Não é a toa que os novos escândalos
emergem poucos meses antes do Sínodo PanAmazônico (2019), quando muitos querem
colocar o celibato em discussão (muitos fazem campanha aberta contra o
celibato), para que os bispos decidam por uma flexibilização que dê respaldo a
decisões que esperam que o papa tome, em relação a isso. O lobby gay criou a
crise, agudizou-a, e preparou o terreno para não apenas desmoralizar a Igreja,
mas extenuá-la a tal ponto, para que os cardeais acabem dando anuência à “falsa
solução” do fim do celibato. E mais: à total “transgressão deliberada”, como
quis Michel Foucault.
As pressões também se intensificam, visando atingir
ainda o sacramento da confissão, pois já há exigência pelo fim do sigilo dos
confessionários. O alvo são os sacramentos. E cada vez mais os católicos se
angustiam, atônitos, sem saber o que fazer diante de uma avalanche tão
sofisticada de ataques visando destituir a Igreja de sua bimilenar identidade
católica.
O caso Viganò é ponta do iceberg de uma convulsão
que assola a Igreja, há décadas, sem que os católicos saibam o que fazer diante
de tudo isso. O lobby gay tem sido uma das forças (entre muitas) visando a
descatolização da Igreja: atingir o celibato e os sacramentos faz parte desse
processo de corrosão da fé católica.
Com a internet, o lobby gay avançou mais célere. As
tecnologias da comunicação ajudaram a disseminar o relativismo, e foi se
perdendo o sentido do pecado. O pecado capital da luxúria passou não apenas a
não ser mais visto como capital, mas até mesmo como pecado, pois membros do
alto clero não se acanharam mais em fazer declarações em público sobre a
necessidade da Igreja mudar sua visão sobre a homossexualidade, etc., até a
controversa declaração de Jorge Mario Bergoglio: “quem sou eu para julgar?”
Para o bem da Igreja, apoio D. Viganò. Aplaudo a
sua coragem e compromisso com a verdade. Aplaudo também os cardeais do “Dubia”
(que até hoje ficaram sem resposta), aplaudo também os leigos os que perseveram
na fé, em meio a mais dura tempestade jamais vista na história da Igreja,
pois sabemos e cremos firmemente que temos Jesus Cristo, Nosso Senhor e Nosso
Salvador, a quem São Pedro declarou: “A quem iremos Senhor? Somente tu tens
palavras de vida eterna!”
Incrível como o processo de descatolização ocorreu
muito rapidamente. Não esperávamos que a crise interna da Igreja (de segmentos
que atuavam por dentro dela, nos intestinos da instituição) fosse capaz de
produzir estragos tão incontáveis, com sacerdotes que não exerciam mais um
pastoreio convincente, e o rebanho católico foi se dispersando cada vez mais.
Muitos fiéis esperavam de seus sacerdotes a defesa
da solidez da doutrina católica, mas muitos adotavam o tom cada vez mais
relativista, suscitando dúvidas, interrogações, questionamentos até, que
deixavam os católicos atônitos e chocados. Parecia que uma “outra Igreja”
emergia de dentro da Igreja, se impondo com mais força, acuando os católicos a
aceitar posições e atitudes que destoavam de tudo aquilo que a Igreja ensinou
durante dois mil anos. E ninguém sabia o que estava acontecendo. O fato é que
do choque inicial, foi havendo uma certa acomodação, medo de se expor, até
chegar a uma certa indiferença. Muitos dos que se chocaram foram embora,
evadiram-se para outros grupos religiosos ou mesmo ficaram alheios. Os que
permaneciam, em busca dos sacramentos, especialmente o da Eucaristia, sofriam
cada vez mais o desconforto de não mais se reconhecerem irmãos da mesma fé,
porque se tornava visível a cada dia o apagamento de sinais, de símbolos, de
ritos, de tudo o que dava significado e sentido à vivência da fé católica. O
que antes havia sentido de pertença, começou a haver um certo estranhamento. Os
que queriam perseverar, sofriam cada vez mais uma nova espécie de perseguição,
de martírio, de incompreensão, justamente por aqueles que se diziam católicos,
que passavam a ocupar postos de decisão dentro da Igreja, e que acabavam por
solapar (inicialmente de modo sofisticado, depois escancaradamente) a
identidade católica. Parecia que o organismo da Igreja (o corpo da Igreja)
havia sido tomado por algo estranho, por algo que havia dominado suas entranhas
e que não era da sua essência e identidade, daí o estranhamento, principalmente
após a renúncia do papa Bento XVI, dos fatos que sucederam. Tornou-se às vezes
até perigoso evangelizar, aonde não havia mais comunidade (pois não se é
cristão sozinho), e a atomização da sociedade trouxe perigos e
vulnerabilidades, não havia mais elan e nem elo, quando um pouco mais de entusiasmo
era tido por falta de realismo. E havia também quem tirasse proveitos da
fragilidade de muitos, que com boa vontade, queriam dar o melhor de si.
O relativismo e as dissimulações ajudaram muito a
esvaziar o sentido do Evangelho, à luz da fé católica, a desviar inclusive do
que realmente propõe, a buscar uma ressignificação que parecia indicar uma
“outra Igreja” mais palatável aos apelos da sociedade midiática, cada vez mais
plural e atomizada. A catolicidade parecia estar reduzida a alguns guetos, mas
a vocação do catolicismo é a universalidade, e não é da identidade católica
manter-se em guetos. Mas o que estaria havendo nas paróquias e dioceses, com
seus conselhos que mais pareciam células de uma organização política, conselhos
ideologizados, impregnados de teologia da libertação e tantos outras
influências estranhas à catolicidade?
Muitas e muitas vezes, nos perguntamos: o que
estará acontecendo?
É evidente que havia sacerdotes e leigos,
religiosas também, que buscavam dar o bom testemunho em fidelidade ao
Evangelho, mas alguma coisa acontecia indicando que a Igreja do Catecismo não
era aquela que víamos, no dia-a-dia, em meio a situações chocantes. “Menos
dogma e mais pastoral”, diziam muitos.
Não havia mais o ambiente cristão. Um bom sacerdote,
que tinha bom zelo doutrinal, bom gosto, atendendo com solicitude e caridade a
todos os que o procuravam, com muita bondade de coração, etc., deu-me de
presente uma imagem muito bonita de São Miguel Arcanjo, defensor da vida, ao
qual mantenho até hoje em meu escritório. Com tristeza eu soube do bispo
emérito, que me ligou outro dia, dizendo, entre outros assuntos, que ele havia
deixado o sacerdócio. E muitos haviam tombado, extenuados, eu mesmo, muitas
vezes, sem saber o que estava acontecendo com a Igreja dos grandes santos, que
o próprio Jesus prometera a São Pedro, de que as portas do inferno não
prevalecerão sobre ela.
(Trecho do livro “Um Raio na Basílica” –
Apontamentos sobre a renúncia de Bento XVI, 3ª parte, de Hermes Rodrigues
Nery).
FONTE: Fraters in Unum
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