Secretária de Fundação Luterana: “O Papa comentou que fez uma intervenção em um grupo católico brasileiro chamado Arautos do Evangelho por conta do fundamentalismo religioso”.
“Procuramos compartilhar aspectos relacionados ao aspecto jurídico
envolvendo a prisão de Lula, informações sobre os retrocessos que vêm
ocorrendo no Brasil desde 2016 e , a partir do caso da Marielle Franco,
falar um pouco da realidade vivida hoje pelos defensores de direitos
humanos no país. Além disso, no campo da religião, conversamos também
sobre a relação entre a violência política e a violência religiosa
pós-2016, detalhando alguns casos”. Três documentos foram entregues ao
Papa com informações sobre esses temas.
Cibele Kuss definiu a conversa como
“muito potente e emocionante”. “O Papa é uma grande liderança religiosa
que também tem enfrentado fundamentalismos e resistências no âmbito da
Igreja Católica Romana”. Carol Proner fez um relato sobre o processo
jurídico e político contra Lula, apontando um conjunto de violações ao
processo legal e à presunção de inocência. Neste momento, diz Cibele
Kuss, o Papa se manifestou falando sobre o cenário de golpes na América
Latina onde a presunção de inocência não está sendo respeitada. “Quando
abordamos alguns aspectos relacionados ao processo de impeachment, ele
citou a Dilma dizendo que a encontrou três vezes, que ela é uma amiga e
uma mulher muito honesta. Foi uma referência bem impactante que ele fez
sobre a Dilma”.
Paulo Sergio Pinheiro fez um relato sobre
as violações de direitos humanos que vem acontecendo no Brasil. O
documento entregue pelo ex-secretário de Direitos Humanos, afirma que,
em somente dois anos, a proteção dos direitos humanos sofreu retrocessos
dramáticos no Brasil. “Não somente foram eliminadas as garantias
constitucionais aos gastos sociais em educação e saúde como se
abandonaram agendas fundamentais para a proteção de grupos
marginalizados como as agendas de proteção e promoção de direitos dos
afrodescendentes (que constituem metade da população), dos povos
indígenas, das crianças, meninas e mulheres. O resultado prático destas
ações é um crescente estado de la estar social”, diz o texto.
O Brasil, em 2017, disse ainda Paulo
Sergio Pinheiro, foi o país no mundo com o maior número de assassinatos
de defensores de direitos humanos. O assassinato de Marielle Franco, já
em 2018, “é provavelmente o símbolo mais forte da violência e da
debilidade da democracia no Brasil”, assinalou o professor aposentado da
Universidade de São Paulo (USP). “Esta violência tem uma mensagem
clara: falar pelos marginalizados implica sérios riscos. Defender os
direitos dos pobres, dos excluídos é enfrentar estruturas de poder que
intimidam seja por meio da violência direta como por meio da intimidação
judicial”. Entre os retrocessos em curso no Brasil, Pinheiro apontou o
retorno do país ao mapa da fome, o crescimento da pobreza e da extrema
pobreza, a redução das políticas sociais, o aumento do desemprego, a
diminuição do poder de compra do salário mínimo, o aumento da violência
nas prisões e a crise na saúde.
Cibele Kuss fez um relato ao Papa sobre
como, a partir do golpe de 2016, a narrativa fundamentalista no discurso
brasileiro passou a ficar muito explícita. “Isso abriu um cenário para
que essa instrumentalização religiosa passasse a ser cada vez mais
utilizada para legitimar desde o impeachment de uma presidenta eleita
pelo voto até questões como ideologia de gênero e escola sem partido. Eu
apresentei alguns casos emblemáticos como a destruição de casas de reza
dos guarani kaiowá, no Mato Grosso do Sul, que mostra o quanto o
agronegócio está conectado também ao aspecto religioso. Eu defendi que
precisamos apostar muito mais em uma teologia herética que seja capaz de
denunciar o deus mercado. Sentimos que ele se conectou bastante com
esse discurso. Neste momento, o Papa comentou que fez uma intervenção em
um grupo católico brasileiro chamado Arautos do Evangelho por conta do
fundamentalismo religioso”.
A representante da Fundação Luterana de
Diaconia também fez um relato sobre ataques a terreiros que têm ocorrido
no Brasil. “Esses ataques têm um forte componente de racismo. Os
terreiros também são um espaço de resistência e de articulação da luta
contra o racismo. Matar os deuses e as deusas de outras religiões também
significa matar suas lutas”, disse Cibele. Além dos problemas, ela
falou também dos grupos cristãos que resistem e lutam contra o
fundamentalismo religioso.
“Há uma esperança. Mesmo dentro de
espaços conservadores, há grupos fazendo resistência. A gente vive um
cenário tão forte de fundamentalismo religioso, de violência política e
religiosa, que até algumas práticas tão particulares da fé cristã, como
visitar e praticar a solidariedade, estão sendo extremamente
questionadas. Dei o exemplo do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs que
fez uma visita a um terreiro em Brasília e foi atacado por grupos
fundamentalistas. Por praticar esses gestos de solidariedades, recebemos
críticas dentro de nossas próprias igrejas. O Papa falou um pouco sobre
isso e disse que cristãos que pensam assim não podem ser chamados de
cristãos”.
O Papa Francisco, relatou ainda Cibele,
perguntou sobre a relação da Igreja Universal do Reino de Deus com alas
conservadoras da política no Brasil. “Eu disse que ela está presente
dentro de partidos políticos, elege parlamentares, tem rede de televisão
e um projeto político muito forte. Por outro lado, observei que o
pentecostalismo no Brasil não é homogêneo e também há esperança dentro
dele. A Universal já é uma igreja bastante mapeada e estudada. O nosso
grande desafio é mostrar que as nossas igrejas, que arrogantemente se
chamam de igrejas históricas, também têm suas articulações e suas bases
conservadoras que mantém relação com partidos políticos de direita.
Precisamos olhar para dentro de nós”.
FONTE: Fraters in Unum
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