Padre
Paulo Ricardo
O
Papa Bento XVI em seu discurso proferido aos Bispos da Regional Centro-Oeste na
última visita ad limina, no dia 15 de novembro de 2010, fala justamente sobre a
natureza e missão das conferências episcopais. Ele diz: "assim sendo, a
Conferência Episcopal promove a união de esforços e de intenções dos Bispos,
tornando-se um instrumento para que possam compartilhar as suas
fatigas."[1]
O
Papa está dizendo que os Bispos têm uma missão pastoral e, portanto, em
primeiro lugar, a missão da conferência episcopal é ajudar o Bispo a realizar a
sua função: ser Bispo diocesano. Ela não
deve tomar o lugar do Bispo, tendo em vista que este é de instituição divina,
enquanto a conferência episcopal não. O então Cardeal Joseph Ratzinger, em
seu livro "A Fé em Crise?", na página 40 diz: "não devemos nos
esquecer que as conferências episcopais não possuem base teológica e não fazem
parte da estrutura indispensável da Igreja, assim como querida por Cristo, têm
somente uma função prática e concreta". Concretamente, Jesus Cristo deixou
um colégio dos apóstolos no qual estava Pedro. A nota explicativa prévia da
Constituição Dogmática Lumen Gentium, um dos documentos do Concílio Vaticano
II, explica com muita propriedade a questão do colegiado. Ela diz que:
"1° Colégio não se entende em sentido
jurídico estrito, ou seja, de um grupo de iguais, que delegam o seu poder ao
que preside; mas no sentido de um grupo estável, cuja estrutura e autoridade se
devem deduzir da Revelação. Por isso, na resposta ao Modo 12, se diz
expressamente, acerca dos Doze, que o Senhor os constituiu em Colégio ou grupo
estável. Cfr. também o Modo 53, c. - Pelo mesmo motivo, ao tratar-se do Colégio
dos Bispos, são também empregados a cada passo os termos Ordem ou Corpo. O
paralelismo entre Pedro e os restantes Apóstolos por um lado, e o Sumo
Pontífice e os Bispos pelo outro, não implica a transmissão do poder
extraordinário dos Apóstolos aos seus sucessores, nem, como é evidente, a
igualdade entre a Cabeça e os membros do Colégio, mas apenas uma
proporcionalidade entre a primeira relação (Pedro-Apóstolos) e a segunda
(Papa-Bispos). Daí ter a Comissão resolvido escrever no inicio do n.° 22 «pari
ratione» e não « eademratione». Cfr. Modo 57." [2]
Ou
seja, existem dois colégios (dois grupos de pessoas): o dos apóstolos e o dos
bispos, entre os quais se percebe uma analogia, pois, assim como não há colégio
de apóstolos sem Pedro, não há colégio de bispos sem o Papa. O Papa é a cabeça
do colégio, portanto, só há verdadeiro ato colegial quando o Papa intervém. As
conferências episcopais podem legislar e mandar algo nos Bispos e nas dioceses,
desde que tenham recebido para isso um mandado do Papa, de Roma.
Na
Igreja fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo existe o Bispo, que cuida de sua
diocese, e o colégio dos Bispos cuja cabeça é o Papa. Assim, a suprema
autoridade da Igreja é o Papa, que pode agir sozinho ou com o colégio e só ele
é que pode mandar nos Bispos, não existe uma realidade intermediária entre o
Papa e os Bispos. É o que o Sumo Pontífice frisou aos bispos brasileiros:
"[sobre as conferências episcopais], não mudando a sua relação com a
respectiva Igreja particular e com o Colégio Episcopal, nem constituindo um
intermediário entre o Bispo e a Sé de Pedro." [3]
Deste
modo, as conferências episcopais não fazem parte da estrutura hierárquica da
Igreja, nesta estão
somente a suprema autoridade e os Bispos, que podem e devem se congregar. O
Código de Direito Canônico, no Título II, na parte do sobre o Povo de Deus[04],
traz diversas instâncias em que os Bispos podem assim agir.
As
conferências episcopais não podem ensinar? O Bem-aventurado Papa João Paulo II
publicou a Carta Apostólica sob forma Motu Próprio "Apostolos Suos",
no dia 21 de maio de 1998, em que explica claramente esse tema, apresentando a
fundamentação teológica que existe para as conferências episcopais, ou seja, a
colegialidade. Não existe ação colegial sem o Papa:
"8. No âmbito da comunhão universal do
Povo de Deus, ao serviço da qual o Senhor instituiu o ministério apostólico, a
união colegial do Episcopado manifesta a natureza da Igreja, a qual, enquanto
semente e início do Reino de Deus na terra, « é para todo o género humano o
mais firme germe de unidade, de esperança e de salvação ».(37) Assim como a
Igreja é una e universal, assim também o Episcopado é uno e indiviso,(38) sendo
tão extenso como a comunidade visível da Igreja e constituindo a expressão da
sua rica variedade. Princípio e fundamento visível dessa unidade é o Romano
Pontífice, cabeça do corpo episcopal." [4]
Deste
modo, um documento emitido por uma conferência episcopal tem valor jurídico?
Sim. E de onde vem sua autoridade? Pode ser de suas fontes básicas: do bispo
diocesano e se o documento foi aprovado pela Santa Sé (pelo Papa), então o
documento é válido para todas as dioceses, uma vez que trata-se de um ato
colegial, pois nele está o sucessor de Pedro.
A
conferência episcopal não é uma realidade intermediária entre o Papa e os
Bispos, pois as duas realidades divinas que pertencem à Igreja são o Papa, com
o colégio episcopal do mundo inteiro unido a ele e o Bispo diocesano.
Ainda
no discurso do Papa Bento XVI aos Bispos do Brasil, ele diz que as conferências
episcopais têm uma missão muito clara e importante que é a de ajudar os Bispos
a pulverizar em suas dioceses os ensinamentos da Igreja Universal (CIC,
encíclicas papais etc.). Além disso, o Papa levanta outros temas que poderiam
ser abraçados pelas conferências episcopais: a promoção e a tutela da fé e da
moral no âmbito da diocese. Divulgar e defender os temas inegociáveis sempre
referidos pelo Papa: vida humana desde a sua concepção até a morte natural, a
santidade da família e do matrimônio, o direito dos pais em educar os seus
filhos, a liberdade religiosa e outros. Seria de grande valia que as
conferências episcopais tomassem como suas esses temas e auxiliassem os Bispos
diocesanos.
Finalmente,
é importante frisar que a obediência ao Bispo, ao Papa e ao colégio de bispos
unidos ao Papa, deve levar em conta a comunhão que todos eles devem ter para
com seus predecessores, ou seja, o Magistério da Igreja não é isolado. A
verdadeira comunhão plena do colégio dos Bispos não é somente espacial, mas
também temporal. A comunhão é com o ensinamento de hoje e de sempre. Não se
pode inventar um nova igreja nem de um novo magistério, mas a plena comunhão
com o sucessor de Pedro de hoje e de todos os tempos e um colégio de hoje e de
todos os tempos.
O
problema das Conferências Episcopais
(J. Ratzinger - V. Messori, A Fé em Crise?
O Cardeal Ratzinger se interroga. EPU, São Paulo, 1985, p.40-41)
Dos "simples padres" passamos aos
bispos, isto é, àqueles que, sendo "sucessores dos Apóstolos", detêm
a plenitude do sacerdócio, são "mestres autênticos da doutrina
cristã", gozam de autoridade própria, ordinária, imediata sobre a Igreja
que lhes foi confiada", da qual são "princípio e fundamento de
unidade", e que, unidos no colégio episcopal com a sua Cabeça, o Romano
Pontíficie, "agem na pessoa de Cristo" para governar a Igreja
universal.
Definições estas, as que demos, são
próprias da doutrina católica sobre o episcopado, reafirmadas com vigor pelo
Vaticano II.
O Concílio, recordava o Cardeal Ratzinger,
"queria justamente reforçar a função e a responsabilidade do bispo,
retomando e completando a obra do Vaticano I, interrompido pela tomada de Roma
quando somente tinha conseguido ocupar-se do Papa. Deste último os Padres
conciliares tinham reconhecido a infalibilidade no magistério quando, como
Pastor e Doutro supremo, proclama que se deve ter como certa uma doutrina sobre
a fé ou sobre os costumes". Criou-se, dessa forma, um certo desequilíbrio
em alguns autores de manuais de teologia, que não realçavam bastante que também
o colégio episcopal goza da mesma "infalibilidade no magistério",
sempre que os bispos "conservem o liame de comunhão entre eles e o
sucessor de Pedro".
Tudo em ordem novamente, pois, com o
Vaticano II?
"Nos documentos, sim, mas não na
prática, na qual se deu um outro dos efeitos paradoxais do pós-concílio",
ele responde. Com efeito, explica: "A decidida retomada do papel do bispo,
na realidade, enfraqueceu-se um pouco, ou corre até mesmo o risco de ser
sufocada pela inserção dos prelados em conferências episcopais sempre mais
organizadas, com estruturas burocráticas frequentemente pesadas. No entanto,
não devemos esquecer que as conferências episcopais não possuem uma base
teológica, não fazem parte da estrutura indispensável da Igreja, assim como
querida por Cristo: têm somente uma função prática, concreta".
É, aliás, diz ele, o que confirma o novo
Código de direito canônico, que fixa os âmbitos de autoridade das Conferências,
que "não podem agir validamente em
nome de todos os bispos, a menos que todos e cada um dos bispos tenham dado o
seu consentimento", e a menos que não se trate de "matérias sobre
as quais haja disposto o direito universal ou o estabeleça um especial mandato
da Sé Apostólica". O coletivo,
portanto, não substitui a pessoa do bispo, que, como recorda o Código,
repetindo o Concílio, "é o autêntico doutor e mestre da fé para os fiéis
confiados aos seus cuidados". Ratzinger confirma: "Nenhuma
Conferência Episcopal tem, enquanto tal, uma missão de ensino: seus documentos
não têm valor específico, mas o valor do consenso que lhes é atribuído pelos
bispos individualmente".
Por que a insistência do Prefeito nesse
ponto? "Porque", responde ele, "se trata de salvaguardar a
natureza mesma da Igreja Católica, que é baseada em uma estrutura episcopal,
não em uma espécie de federação de igrejas nacionais. O nível nacional não é
uma dimensão eclesial. É preciso que fique claro de novo que, em cada diocese,
só existe um pastor e mestre da fé, em comunhão com os outros pastores e
mestres e com o Vigário de Cristo. A Igreja Católica mantém-se no equilíbrio
entre a comunidade e a pessoa, neste caso a comunidade das igrejas locais
individuais unidas na igreja universal e a pessoa dos responsáveis pela
diocese".
Acontece, diz ele, que "certa
diminuição do sentido de responsabilidade individual em alguns bispos e a
delegação dos seus poderes inalienáveis de pastor e mestre às estruturas da
Conferência local correm o risco de fazer cair no anonimato aquilo que deveria,
ao contrário, permanecer muito pessoal. O grupo dos bispos unidos nas
Conferências depende, na prática, para as decisões, de outros grupos, de
comissões específicas, que elaboram roteiros preparatórios. Acontece, além
disso, que a busca de um ponto comum entre as várias tendências e o esforço de
mediação dão lugar, muitas vezes, a documentos nivelados por baixo, em que as
posições precisas são acentuadas".
Recorda que, em seu país, existia uma
Conferência Episcopal já nos anos 30: "Pois bem, os textos realmente
vigorosos contra o nazismo foram os que vieram individualmente de prelados
corajosos. Os da Conferência, no entanto, pareciam um tanto abrandados, fracos
demais com relação ao que a tragédia exigia".
Referências
Discurso do Papa Bento XVI aos bispos do
Regional Centro Oeste da CNBB - 15 de Novembro de 2010
Constituição Dogmática Lumen Gentium -
sobre a Igreja
João Paulo II, Carta Apostólica
"Apostolos suos" - 21 de Maio de 1998
Código de Direito Canônico
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