Ainda há
espaço para o silêncio na Santa Missa? Segundo o atual prefeito da Congregação
para o Culto Divino, sim. Em uma coluna para o L'Osservatore Romano, o Cardeal
Robert Sarah exortou os fiéis católicos a buscarem o recolhimento interior
durante a Celebração Eucarística, como condição para que Deus manifeste
"sua presença em nossas almas, irrigando-as com seu amor trinitário".
"Nós deveríamos evitar transformar a Igreja, que é a Casa de Deus
destinada à adoração, em um teatro ao qual as pessoas vêm para aplaudir os
atores", insistiu o prelado.
O ensinamento
do Cardeal Sarah não é novidade. A necessidade de silêncio na Santa Missa já
foi tema de inúmeras deliberações por parte de liturgistas bastante
competentes. Todavia, como prefeito de um dos mais importantes dicastérios da
Cúria Romana — precisamente aquele que tem a função de cuidar dos Sacramentos
da Igreja —, o Cardeal Robert Sarah tem uma autoridade singular neste debate.
Porque precisa agir em harmonia com a vontade do Santo Padre, quem, aliás, o
apontou para exercer o cargo que ocupa, ele não expressa somente a voz de uma
opinião isolada, mas a interpretação verdadeiramente autorizada do Magistério,
especialmente quando trata da velha celeuma quanto à correta aplicação do
Missal de Paulo VI — uma questão, apesar de já exaustivamente debatida, ainda
hoje espinhosa. Logo, suas declarações são algo que muito deve nos interessar.
Mas, para
compreender o problema abordado, é preciso, antes de tudo, retroceder alguns
anos no tempo.
No período
anterior à reforma litúrgica do Beato Paulo VI, quando ainda se celebrava a
Missa de São Pio V, iniciou-se um intenso movimento de renovação para que,
entre outras coisas, os fiéis leigos participassem do "santo sacrifício
eucarístico, não com assistência passiva, negligente e distraída, mas com tal
empenho e fervor" que os colocassem "em contato íntimo com o sumo
sacerdote", o Senhor Jesus [1]. Veio de Pio XII o impulso oficial para tal
renovação. Com a encíclica Mediator Dei, o Santo Padre esclareceu o modo pelo
qual os fiéis também oferecem o sacrifício eucarístico, embora seja de maneira
inferior à do sacerdote, que, por fazer as vezes de Cristo na Terra, é a cabeça
de todos os membros da Igreja "e se oferece a si mesmo por eles" (n.
76):
A imolação
incruenta por meio da qual, depois que foram pronunciadas as palavras da
consagração, Cristo está presente no altar no estado de vítima, é realizada só
pelo sacerdote enquanto representa a pessoa de Cristo e não enquanto representa
a pessoa dos fiéis. Colocando, porém, no altar a vítima divina, o sacerdote a
apresenta a Deus Pai como oblação à glória da SS. Trindade e para o bem de
todas as almas. Dessa oblação propriamente dita os fiéis participam do modo que
lhes é possível e por um duplo motivo: porque oferecem o sacrifício não somente
pelas mãos do sacerdote, mas, de certo modo ainda, junto com ele; e ainda
porque com essa participação também a oferta feita pelo povo pertence ao culto
litúrgico. Que os fiéis oferecem o sacrifício por meio do sacerdote, é claro,
pois o ministro do altar age na pessoa de Cristo enquanto Cabeça, que oferece
em nome de todos os membros; pelo que, em bom direito, se diz que toda a
Igreja, por meio de Cristo, realiza a oblação da vítima. Quando, pois, se diz
que o povo oferece juntamente com o sacerdote, não se afirma que os membros da
Igreja de maneira idêntica à do próprio sacerdote realizam o rito litúrgico
visível — o que pertence somente ao ministro de Deus para isso designado — mas
sim que une os seus votos de louvor, de impetração, de expiação e a sua ação de
graças à intenção do sacerdote, aliás do próprio sumo pontífice, a fim de que
sejam apresentados a Deus Pai na própria oblação da vítima, embora com o rito
externo do sacerdote (n. 83). (negritos nossos).
Nas pegadas
de Pio XII, o Concílio Vaticano II introduziu o conceito de "participação
ativa" na celebração dos mistérios sagrados, determinando, por meio da Constituição
Conciliar Sacrosanctum Concilium que, na ação litúrgica, os "pastores de
almas" nó só zelassem pela observância das "leis que regulam a
celebração válida e lícita", mas também para que os fiéis participassem
nela "consciente, ativa e frutuosamente" (n. 11). Para o bem
espiritual da grei de Cristo, sem dúvida, tratava-se de algo necessário. Se na
Missa presenciamos o sacrifício de Jesus na cruz, por meio do qual a ação
divina operou o Mistério da Salvação, é fundamental que os fiéis vivenciem esse
momento com profundidade mística e ascese eficaz; não como meros ouvintes, mas
como praticantes da Palavra (cf. Tg 1, 22).
Acontece que,
no período pós-conciliar, essa "participação ativa" acabou
desvirtuada de seu sentido original e — por causa de algumas teologias de sabor
protestante — uma excessiva "autonomia" desenvolveu-se nas
celebrações, ao mesmo tempo em que se passava a desprezar o Missal antigo, às
vezes até com certo fanatismo e intolerância. Do lado oposto, por sua vez,
enquanto alguns se opuseram à reforma com igual agressividade, "muitas
pessoas, que aceitavam claramente o caráter vinculante do Concílio Vaticano II
e que eram fiéis ao Papa e aos Bispos, desejavam contudo reaver também a forma,
que lhes era cara, da sagrada Liturgia" [2]. Isso ocorreu porque, como
explicou amiúde Bento XVI, "em muitos lugares, se celebrava não se atendo
de maneira fiel às prescrições do novo Missal, antes consideravam-se como que
autorizados ou até obrigados à criatividade, o que levou frequentemente a deformações
da Liturgia no limite do suportável" [3].
Ao longo dos
últimos anos, a Igreja procurou resolver tais problemas por meio de várias
determinações e ações pastorais [4]. De maneira geral, o que se pretendeu
inculcar na mentalidade dos fiéis é que, embora haja elementos litúrgicos
"próprios do passado", os quais podem — e, por vezes, devem — ser
mudados [5], "aquilo que para as gerações anteriores era sagrado,
permanece sagrado e grande também para nós". Com efeito, "faz-nos bem
a todos conservar as riquezas que foram crescendo na fé e na oração da Igreja,
dando-lhes o justo lugar" [6].
É dentro
dessa perspectiva que se insere o artigo do Cardeal Robert Sarah e toda sua
defesa do que ele chama de "silêncio místico". Esse silêncio faz
parte do grande patrimônio da espiritualidade cristã que deve ser conservado
como elemento imprescindível à comunhão com Deus. A Liturgia, diz o Concílio,
precisa contribuir "para que os fiéis exprimam na vida e manifestem aos
outros o mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja" (
Sacrosanctum Concilium, n. 2). A "participação ativa", portanto, não
significa um cartão verde a todo tipo de inovações e pantomimas dentro da
Celebração Eucarística, mas uma atitude interior, de oração propriamente dita,
que é a de deixar-se conduzir pela ação de Deus, cuja voz se escuta somente no
"murmúrio de uma brisa ligeira" (1 Rs 19, 12). Com essa entrega
pessoal, o fiel pode ofertar-se verdadeiramente no sacrifício eucarístico, como
descreveu Pio XII. Doutro modo, porém, a atividade pela atividade não resolve o
problema levantado pelo Movimento Litúrgico; apenas aumenta a quantidade de
gestos exteriores. Ademais, não é sem propósito que a exortação dos padres
conciliares à observância do silêncio na Missa esteja justamente no parágrafo
sobre a "participação ativa" (cf. Sacrosanctum Concilium, n. 30).
Na linha da
grande tradição dos Padres da Igreja e dos santos, que sempre entenderam
"o silêncio como condição para a oração contemplativa", e
fundamentado pelas mesmas indicações do Antigo e do Novo Testamento, o Cardeal
Robert Sarah explica que o "silêncio virtuoso" nada tem que ver com
"ociosidade" ou "omissão", comportamentos gerados pelos
vícios da covardia, do egoísmo e da dureza do coração. O silêncio virtuoso,
ensina, refere-se àquela atitude em que a pessoa deseja "dar espaço aos
outros, e especialmente ao Outro absoluto, Deus". É a atitude de Maria —
que guardava tudo no coração (cf. Lc 2, 20) — e de José — do qual não se ouve
sequer uma palavra durante toda a Escritura. "Em contraste", compara
o Prefeito para o Culto Divino, o barulho exterior do tagarela
"caracteriza o indivíduo que quer ocupar um lugar mais importante, para
empavonar-se ou mostrar-se, ou ainda que deseja preencher seu vazio
interior". Ele faz tudo, exceto oração.
"Se
nosso 'celular interior' está sempre ocupado porque estamos 'conversando' com
outras criaturas, como pode Deus nos alcançar, como Ele pode 'nos
ligar'?", questiona o cardeal. Assim, ele conclui, "nós devemos
purificar nossas mentes de suas curiosidades, do desejo de seus projetos, a fim
de que nos abramos totalmente às graças e à força que Deus quer nos conceder
profusamente".
A Instrução
Geral do Missal Romano, recorda o Cardeal Sarah, indica os lugares onde se deve
fazer silêncio na Missa:
Também se
deve guardar, nos momentos próprios, o silêncio sagrado, como parte da
celebração. A natureza deste silêncio depende do momento em que ele é observado
no decurso da celebração. Assim, no ato penitencial e a seguir ao convite à
oração, o silêncio destina-se ao recolhimento interior; a seguir às leituras ou
à homilia, é para uma breve meditação sobre o que se ouviu; depois da Comunhão,
favorece a oração interior de louvor e ação de graças.
Antes da
própria celebração é louvável observar o silêncio na igreja, na sacristia e nos
lugares que lhes ficam mais próximos, para que todos se preparem para celebrar
devota e dignamente os ritos sagrados (n. 45)
Certamente, o
ato de silenciar-se não é fácil e requer, como tudo que está relacionado à vida
interior, uma "ação violenta" do indivíduo no caminho da ascese —
aliás, "um meio indispensável", como explica o Cardeal Sarah,
"para nos ajudar a remover de nossa vida qualquer coisa que nos arraste
para baixo, em outras palavras, qualquer coisa que dificulte nossa vida
espiritual ou interior e, portanto, um obstáculo à oração". A grande
dificuldade para os fiéis cristãos de hoje, porém, é que se perdeu, sob muitos
aspectos, essa noção de vida ascética. Por isso, tudo parece tão assustador e
fora da realidade. Mas, já nos está claro, engana-se quem considera ser
possível escutar a Palavra de Deus e colocá-la em prática sem o devido
recolhimento interior. E não é preciso nenhum artigo de cardeal para nos
convencer disso. Bastam as palavras de São Tiago: "Se alguém pensa ser
piedoso, mas não refreia a sua língua, engana-se a si mesmo: vã é a sua
religião" (Tg 1, 26).
Referências
1. Papa Pio XII, Carta Encíclica Mediator
Dei (20 de novembro de 1947), n. 73.
2. Papa Bento XVI, Carta aos
bispos que acompanha o "Motu Proprio" Summorum Pontificum (7
de julho de 2007).
3. Idem.
4. Cf. Papa João Paulo II, Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia (17 de
abril de 2003); Congregação para o Culto Divino..., Instrução Redemptionis Sacramentum (25 de março
de 2004); Papa Bento XVI, Motu Proprio Summorum
Pontificum (7 de julho de 2007).
5. Cf. Papa Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (24 de
novembro de 2013), n. 94.
6. Papa Bento XVI, Carta aos
bispos que acompanha o "Motu Proprio" Summorum Pontificum (7
de julho de 2007).
Fonte: Equipe Christo Nihil Praeponere
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